segunda-feira, 30 de junho de 2014

Vou me embora para Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei



Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive



E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada



Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar



E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.


Texto extraído do livro "Bandeira a Vida Inteira" Manoel Bandeira

De onde me chegam estas palavras?


De onde me chegam estas palavras?
Nunca houve palavras para gritar a tua ausência.
Apenas o coração pulsando a solidão antes de ti quando o teu rosto doía no meu rosto e eu descobri as minhas mãos sem as tuas
e os teus olhos não eram mais que o lugar escondido 
onde a primavera refaz o seu vestido de corolas.


E não havia um nome para a tua ausência.
Mas tu vieste.
De coração da noite?
Dos braços da manhã?
Dos bosques do outono?
Tu vieste.

E acordas todas as horas.
Preenches todos os minutos.
Acendes todas as fogueiras.
Escreves todas as palavras.
Em canto de alegria desprende-se dos meus dedos
Quando toco o teu corpo e habito em ti
E a noite não existe
Porque as nossas bocas acendem na madrugada
Uma aurora de beijos.

Oh, meu amor,
Doem-se os braços de te abraçar,
Trago as mãos acesas,
A boca desfeita
E a solidão acorda em mim um grito de silêncio quando
O medo de perder-te é um cordel que pisa os meus cabelos
E se perde depois numa estrada deserta por onde
Caminhas nua
Como se estivesses triste.

Antóneo Gedeão

sexta-feira, 27 de junho de 2014

A escolha é sua...


A certa altura do filme Crimes e Pecados, o personagem interpretado por Woody Allen diz: "Nós somos a soma das nossas decisões".
Essa frase acomodou-se na minha massa cinzenta e de lá nunca mais saiu. Compartilho do ceticismo de Allen: a gente é o que a gente escolhe ser, o destino pouco tem a ver com isso.
Desde pequenos aprendemos que, ao fazer uma opção,estamos descartando outra, e de opção em opção vamos tecendo essa teia que se convencionou chamar "minha vida".
Não é tarefa fácil. No momento em que se escolhe ser médico, se está abrindo mão de ser piloto de avião. Ao optar pela vida de atriz, será quase impossível conciliar com a arquitetura. No amor, a mesma coisa: namora-se um, outro, e mais outro, num excitante vaivém de romances. Até que chega um momento em que é preciso decidir entre passar o resto da vida sem compromisso formal com alguém, apenas vivenciando amores e deixando-os ir embora quando se findam, ou casar, e através do casamento fundar uma microempresa, com direito a casa própria, orçamento doméstico e responsabilidades.
As duas opções têm seus prós e contras: viver sem laços e viver com laços...
Escolha: beber até cair ou virar vegetariano e budista? Todas as alternativas são válidas, mas há um preço a pagar por elas.
Quem dera pudéssemos ser uma pessoa diferente a cada 6 meses, ser casados de segunda a sexta e solteiros nos finais de semana, ter filhos quando se está bem-disposto e não tê-los quando se está cansado. Por isso é tão importante o auto conhecimento. Por isso é necessário ler muito, ouvir os outros, estagiar em várias tribos, prestar atenção ao que acontece em volta e não cultivar preconceitos. Nossas escolhas não podem ser apenas intuitivas, elas têm que refletir o que a gente é. Lógico que se deve reavaliar decisões e trocar de caminho: Ninguém é o mesmo para sempre.Mas que essas mudanças de rota venham para acrescentar, e não para anular a vivência do caminho anteriormente percorrido. A estrada é longa e o tempo é curto.Não deixe de fazer nada que queira, mas tenha responsabilidade e maturidade para arcar com as conseqüências destas ações.Lembrem-se: suas escolhas têm 50% de chance de darem certo, mas também 50% de chance de darem errado. A escolha é sua...!


Pedro Bial

terça-feira, 24 de junho de 2014

Ideal


Aquela, que eu adoro, não é feita
De lírios nem de rosas purpurinas,
Não tem as formas lânguidas, divinas
Da antiga Vênus de cintura estreita…

Não é a Circe, cuja mão suspeita
Compõe filtros mortas entre ruínas,
Nem a Amazona, que se agarra às crinas
Dum corcel e combate satisfeita…

A mim mesmo pergunto, e não atino
Com o nome que se dê a essa visão,
Que ora amostra ora esconde o meu destino…

E como uma miragem que entrevejo,
Ideal, que nasceu na solidão,
Nuvem, sonho impalpável do Desejo…

Antero de Quental

domingo, 22 de junho de 2014

Guardava alguns silêncios e também as coisas


Guardava alguns silêncios e também as coisas que não dissera por acaso. Guardava agora também esses acasos, brancos recados entre as palavras que lhe sobravam nas gavetas. E ainda assim guardaria
para sempre essas palavras, ou a imagem de lábios a dizê-las ― um rosto ainda sem ser triste lembrando o verão.

Teria aguardado esse verão, o cheiro quente dos morangos à beira os dedos. E tê-lo-ia sobretudo guardado, como guardava agora, sem nunca o ter ouvido, o som das espigas, na planície, à passagem do vento.

Mas agora só podia aguardar a passagem do tempo sem palavras; ou um vento de feição, um acaso que tudo justificasse. E no silêncio em que se ia guardando 
buscava apenas um lugar mais sereno para as memórias.


Maria do Rosário Pedreira

sábado, 21 de junho de 2014

Amor


Crises de abstinência
Da substância inadequada
Que intoxica seu peito
Denominada AMOR

A absorção do sagrado licor
Que esbanja e rola em seu rosto
Embalando lindas canções
E palavras sentidas no gosto

Do beijo amargo
Ao doce amasso
Do triste desejo
De querer
Um simples abraço

Da mão
Que pede
Ao olhar
Que cede
Sua triste aversão

Do peito
Que implora
O amor
Que há lá fora
E volta a bater
Um coração....


Jê Lawrenz

Fundamental



É fundamental que tenhamos humildade
para reconhecermos que precisamos
dividir com alguém nossas particularidades
e confessarmos que não somos auto-suficientes, que precisamos de um toque,
de ouvir, de sentir, de descobrir um ao outro
e explorar cada instante, e em cada crise
ou dificuldade confirmarmos nossa essência.
Muitos de nós erroneamente,
na busca incessante de nos realizarmos
como pessoas muitas vezes depositamos
no outro a responsabilidade de fazer-nos
felizes ou de desenvolver o sentido de nossas vidas.
Cabe apenas a nós mesmos essa incumbência
e também a de permitirmos o privilégio
a esse alguém especial de fazer
parte da magnitude que é a vida
particular e intima de cada um de nós.

Thomas Ruth

sexta-feira, 20 de junho de 2014

O vôo


Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti.
Não indagues se nossas estradas, tempo e vento, desabam no abismo.

Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas.

Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão,
se pressentires que amanhã estarás mudo,
esgota, como um pássaro, as canções que tens na garganta.

Canta!
Canta para conservar uma ilusão de festa e de vitória.

Talvez as canções adormeçam as feras que esperam devorar o pássaro.

Desde que nasceste não és mais que um vôo no tempo.
Rumo do céu?

Que importa a rota.
Voa e canta, enquanto resistirem as asas.

Menotti Del Picchia

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Há um lugar


Há um lugar sagrado dentro de cada um de nós,
que é chamado alma, onde palavras, ações,
atitudes e pensamentos são fotografados
por toda a eternidade, e tudo o que vivemos
e sentimos fica indelevelmente gravado
dentro dela.
Por isso, antes de você bater à porta da minha alma, saiba que aqui vais encontrar luz, serenidade e abrigo, isso é tudo que eu tenho a oferecer-lhe.
Se ainda assim você quiser entrar, por favor
tire seus sapatos e pise de leve, venha
desarmado e seja quem realmente você é.

Gardênia

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Hoje eu quero...


Ando com uma vontade tão grande
de receber todos os afetos,
todos os carinhos, todas as atenções.
Quero colo, quero beijo,
quero cafuné, abraço apertado,
mensagem na madrugada, quero flores,
quero doces, quero música,
vento, cheiros, quero parar de me doar
e começar a receber.
Sabe, eu acho que não sei fechar ciclos,
colocar pontos finais, comigo são sempre vírgulas, aspas, reticências.
Eu vou gostando, eu vou cuidando,
eu vou desculpando, eu vou superando,
eu vou compreendendo, eu vou relevando, eu vou…
e continuo indo, assim, desse jeito,
sem virar páginas, sem colocar pontos.
E vou dando muito de mim,
e aceitando o pouquinho que os outros tem para me dar.

Caio Abreu

terça-feira, 17 de junho de 2014

Loucos e santos



Escolho meus amigos não pela pele
ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador
e tonalidade inquietante.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Escolho meus amigos pela alma
lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo,
quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim:
metade bobeira, metade seriedade.
Quero amigos sérios, que fazem da realidade
sua fonte de aprendizagem, mas lutam
para que a fantasia não desapareça.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam
o valor do vento no rosto;
e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos,
bobos e sérios, crianças e velhos,
nunca me esquecerei de que “normalidade”
é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Fernando Pessoa


Quando a dor me amargurar,
Quando sentir penas duras,
Só me podem consolar
Teus olhos, contas escuras.
Deles só brotam amores
Não há sombras de ironias:
Esses olhos sedutores
São duas Ave-Marias.
Mas se a ira os vem turvar
Fazem-me sofrer torturas
E as contas todas rezar
Dum rosário d'amarguras.
Ou se os alaga a aflição
Peço pra ti alegrias
Numa fervente oração
Que eu rezo todos os dias!

domingo, 15 de junho de 2014

Eu


Eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora.

Quem está por fora
não segura
um olhar que demora.

De dentro do meu centro
este poema me olha...


Paulo Leminski

Green God


Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era um corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.

Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos,
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.

Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.

E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava.

Eugénio de Andrade

sábado, 14 de junho de 2014

Com um punhado de palavras


Façamos trato.
Você cuida de mim
e eu das tuas asas.
Garanto-lhe o voar.
Altos, baixos, por vales e rios.
Descobrir lugares.
Oceanos e mares.
À luz do sol e da lua.
Viver emoções, razões, corações.
Rasgar o céu, apertar nuvem.
Entrelaçar vento, driblar tormento.
E a ti peço apenas sopro.
Assovio e pouco de luz.
Para iluminar meu caminhar, meu tanto pensar.
Assim as pedras verei.
E com elas, hei de conversar, negociar.
Para continuar, sonhar, amar e realizar.
Eu na terra, você no ar.
Juntos enfim.
Anjo da guarda me proteja.
Prometo-te fazer o mesmo.
Hoje e SEMPRE.