domingo, 24 de março de 2013

Eu e tu


Dois! Eu e Tu, num ser indispensável!
Como Brasa e carvão, centelha e lume, oceano e areia,
Aspiram a formar um todo, – em cada assomo
A nossa aspiração mais violenta se ateia…
Como a onda e o vento, a Lua e a noite, o orvalho e a selva
– O vento erguendo a vaga, o luar doirando a noite,
Ou o orvalho inundando as verduras da relva –
Cheio de ti, meu ser de eflúvios impregnou-te!
Como o lilás e a terra onde nasce e floresce,
O bosque e o vendaval desgrenhando o arvoredo,
O vinho e a sede, o vinho onde tudo se esquece,
– Nós dois, de amor enchendo a noite do degredo,
Como partes dum todo, em amplexos supremos
Fundindo os corações no ardor que nos inflama,
Para sempre um ao outro, Eu e Tu, pertencemos,
Como se eu fosse o lume e tu fosses a chama…

António Feijó

Meu céu interior


Se esses teus olhos, no meu livro, imersos,
encontrarem diversas emoções,
— não tentes decifrar: mil corações
nós os temos num só, todos diversos...

Os meus poemas aqui, vivem dispersos,
como as estrelas... e as constelações
no céu das minhas íntimas visões,
no "meu céu interior..." cheio de versos.

Não procures um poeta compreender...
— Os versos que umas coisas nos desnudam,
outras coisas, ocultam, sem querer...

Uns, são felizes... Outros, ao contrário...
— No rosário da vida, as contas mudam,
e os versos são as contas de um rosário!...

J. G. de Araújo Jorge

Saudade



Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trêmula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vazia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
que atormentam o meu sono.


Mia Couto

sábado, 23 de março de 2013

Abraços


Tem abraços de todo jeito, todo tamanho,
e que significam tantas coisas...
Tem o abraço de diz 

"Sou muito feliz porque tenho a sua amizade"
E tem abraços que querem dizer
"Eu tenho muito orgulho de você".
Tem abraços especiais para dizer
"Não existe no mundo ninguém como você".
Tem abraços ternos, abraços com carinho,
Para expressar os sentimentos tristes.
Abraços que murmuram 
"Sinto muito",
quando alguém precisa de um amigo.
Tem abraços para todas as ocasiões,
Todos com as suas razões.
Tem abraço manso, abraço de urso,
abraço grande e aquele abração.
Mas o melhor abraço é um que diz
"Eu estou sempre pensando em você."
E tem o tipo especial que você vai receber
Este abraço que diz
"EU AMO VOCÊ !"

Reinilson Camara

Canção do meu abandono


Não, depois de te amar não posso amar ninguém!
Que importa se as ruas estão cheias de mulheres
esbanjando beleza e promessa
ao alcance da mão?
Se tu já não me queres
é funda e sem remédio a minha solidão.
Era tão fácil ser feliz quando tu estavas comigo!
Quantas vezes, sem motivo nenhum, ouvi o teu sorriso
rindo feliz, como um guiso
em tua boca?
E todo momento
mesmo sem te beijar eu estava te beijando:
com as mãos, com os olhos, com os pensamentos,
numa ansiedade louca!
Nossos olhos, meu Deus! nossos olhos, os meus
nos teus,
os teus
nos meus,
se misturavam confundindo as cores
ansiosos como olhos
que se diziam adeus...
Não era adeus, no entanto, o que estava em teus olhos
e nos meus,
era êxtase, ventura, infinito langor,
era uma estranha, uma esquisita, uma ansiosa mistura
de ternura com ternura
no mesmo olhar de amor!
Ainda ontem, cada instante era uma nova espera...
Deslumbramento, alegria exuberante
e sem limite...
E de repente,
de repente eu me sinto triste como um velho muro
cheio de hera
embora a luz do sol num delírio palpite!
Não, depois de te amar não posso amar ninguém!
Podia até morrer, se já não há belezas ignoradas
quando inteira te despi,
nem de alegrias incalculadas
depois que te senti...
Depois de te amar assim, como um deus, como um louco,
nada me bastará, e se tudo é tão pouco...
... eu devia morrer...

JG de Araujo Jorge

O contrário do amor


O contrário de bonito é feio, de rico é pobre, de preto é branco, isso se aprende antes de entrar na escola. Se você fizer uma enquete entre as crianças, ouvirá também que o contrário do amor é o ódio. Elas estão erradas. Faça uma enquete entre adultos e descubra a resposta certa: o contrário do amor não é o ódio, é a indiferença.

O que seria preferível, que a pessoa que você ama passasse a lhe odiar, ou que lhe fosse totalmente indiferente? Que perdesse o sono imaginando maneiras de fazer você se dar mal ou que dormisse feito um anjo a noite inteira, esquecido por completo da sua existência? O ódio é também uma maneira de se estar com alguém. Já a indiferença não aceita declarações ou reclamações: seu nome não consta mais do cadastro.

Para odiar alguém, precisamos reconhecer que esse alguém existe e que nos provoca sensações, por piores que sejam. Para odiar alguém, precisamos de um coração, ainda que frio, e raciocínio, ainda que doente. Para odiar alguém gastamos energia, neurônios e tempo. Odiar nos dá fios brancos no cabelo, rugas pela face e angústia no peito. Para odiar, necessitamos do objeto do ódio, necessitamos dele nem que seja para dedicar-lhe nosso rancor, nossa ira, nossa pouca sabedoria para entendê-lo e pouco humor para aturá-lo. O ódio, se tivesse uma cor, seria vermelho, tal qual a cor do amor.

Já para sermos indiferentes a alguém, precisamos do quê? De coisa alguma. A pessoa em questão pode saltar de bung-jump, assistir aula de fraque, ganhar um Oscar ou uma prisão perpétua, estamos nem aí. Não julgamos seus atos, não observamos seus modos, não testemunhamos sua existência. Ela não nos exige olhos, boca, coração, cérebro: nosso corpo ignora sua presença, e muito menos se dá conta de sua ausência. Não temos o número do telefone das pessoas para quem não ligamos. A indiferença, se tivesse uma cor, seria cor da água, cor do ar, cor de nada.

Uma criança nunca experimentou essa sensação: ou ela é muito amada, ou criticada pelo que apronta. Uma criança está sempre em uma das pontas da gangorra, adoração ou queixas, mas nunca é ignorada. Só bem mais tarde, quando necessitar de uma atenção que não seja materna ou paterna, é que descobrirá que o amor e o ódio habitam o mesmo universo, enquanto que a indiferença é um exílio no deserto.

Martha Medeiros

quarta-feira, 20 de março de 2013

Amada


De noite, amado, amarra teu coração ao meu,
E que eles no sonho derrotem trevas
Assim, amor, amarra-me ao movimento puro,
À tenacidade que em teu peito bate
Para que às perguntas estreladas do céu
Responda nosso sonho com uma só chave.

Homem e mulher talaram montanhas e jardins,
Desceram aos rios, ascenderam pelos muros
Subiram pelos montes
E o amor soube então porque se chamava amor
E quando levantei meus olhos a teus olhos
Teu coração logo percebeu o que dizia o meu coração.

Já és meu. Repousa com teu sonho em meu sonho.
Gira a noite sobre suas invisíveis rodas
E junto a mim é puro como o âmbar dormindo.
Nenhum mais, amor, dormirá com meus sonhos
Iremos juntos pelas águas do tempo
Nenhum viajará pela sombra da noite comigo,
Só tu, sempre sol, sempre lua.
E já não sou sem ti, e tu não és sem mim.

É bom, amor, sentir-te perto de mim, na noite
Invisível em teu sonho,
Teu corpo me respira,
Buscando-me sem ver-me, completando meu sonho
Enfim, algo fica
Acercando-nos na luz da vida.

Pablo Neruda

Labirinto


Talvez houvesse uma flor
aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.
É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua…
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!
Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.
É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua…
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.
Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor.

David Mourão-Ferreira

Será que você aguentaria


Ah, quer saber o que eu penso?
Você aguentaria conhecer minha verdade?
Pois tome.Prove. Sinta....
Eu tenho preguiça de quem não comete erros.
Tenho profundo sono de quem prefere o morno.
Eu gosto do risco. Dos que arriscam.
Tenho admiração nata por quem segue o coração.
Eu acredito nas pessoas livres. Liberdade de ser. Coragem boa de se mostrar. Dar a cara a tapa!
Ser louca, estranha, linda, chata! Eu sou assim.
Tenho um milhão de defeitos. Sou volúvel. Tenho uma tpm horrível. Sou viciada em gente. Adoro ficar sozinha.
Mas eu vivo para sentir.
Por isso, eu te peço.
Me provoque. Me beije a boca. Me desafie. Me tire do sério. Me tire do tédio.Vire meu mundo do avesso!.
Mas, pelo amor de Deus, me faça sentir... Um beliscãozinho que for, me dê.
Eu quero rir até a barriga doer. Chorar e ficar com cara de sapo.
Este é o meu alimento: palavras para uma alma com fome.
Te pergunto: você aguentaria viver na montanha-russa que é meu coração?
Me desculpe. Nada é pouco quando o mundo é meu.

Fernanda Mello

sábado, 16 de março de 2013

Meu desejo por ti...


Satânico é meu pensamento a teu respeito e
ardente é o meu desejo de apertar-te em minhas mãos...
numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem.
A noite era quente e calma e eu estava em minha cama...
quando, sorrateiramente, te aproximaste.
Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu...
sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença...
aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos.
Até nos mais íntimos lugares.
Eu adormeci.
Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão.
Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite.
Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama te esperar....
Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força.
Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos.
Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo..

Só assim, livrar-me-ei de ti....
pernilongo Filho da puta...

Texto escrito em um momento de descontração, do grande poeta Carlos Drummond de

Andrade

Lilases...


(...)Os lilases deixaram-se dormir...
Nem um fremito...a terra emudeceu...
Amor! Vem ver estrelas a cair:
Uma...duas...mais outra que desceu...

Fala baixo, juntinho ao meu ouvido,
Que essa fala de amor seja um gemido,
Um murmúrio, um soluço, um ai desfeito...

Ah! deixa à noite o seu encanto triste!
E a mim... o teu amor que mal existe,
Chuva a cair na noite do meu peito!

Florbela Espanca

Amor em preto e branco


O amor é preto é branco
É cor, é raça é coração.
E também racismo, coisa que o tempo.
Não conseguiu ainda apagar
Será quando tempo precisaremos??
Resta dar aos homens... Tempo.

Seus pais não aceitam e nem os meus
O nosso amor em preto e branco
Oh! Meu sol queime a minha pele
Só assim ficaremos iguais na cor
Todo amor é cego, não ver cor,
Nem preconceito e nem racismo

Amor em preto e branco
Não pode haver racismo
O amor é mais forte
É todo coração, é só coração.

__ Não importa a cor da pele
__ Crença ou religião
__Somos uma mistura de cores e raça

Porque se fosse assim só o preto morreria
Quer ou não queria, somos todos iguais.
Perante a lei de Deus... Na lei dos homens???
O nosso viverá eternamente em preto e branco.
Somos bi-colores sempre em preto e branco.

José Aprígio da Silva
.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Acordei querendo


Hoje eu acordei querendo
Toda a intensidade da vida
Todo o mar
Todo o vento que soprar a meu favor
Quero a liberdade das almas brancas
E todas as cores que tem o mundo
Se houverem lágrimas
Que sejam de purificação
Se houverem dores
Que sejam de aprendizado
E que meus dias sejam feitos de amor
Amor incondicional
Amor ao próximo
Ao planeta
A existência de tudo quanto é vivo
A toda a energia que move o universo
E que meu coração seja livre e sereno
E que minha mente seja equilibrada e justa
Porque meu corpo é o que me adorna
Mas o que me move é o espírito.

Lou Witt

Morte


Morre lentamente
quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajetos,
quem não muda de marca,
não se arrisca a vestir uma nova cor ou
não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente
quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente
quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções,
justamente as que resgatam o brilho dos olhos,sorrisos dos bocejos,
corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente
quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida,
fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente
quem não viaja,
quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente
quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente,
quem passa os dias queixando-se da sua má sorte
ou da chuva incessante.

Morre lentamente,
quem abandona um projeto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece ou
não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre que estar vivo exige um feito muito maior que o simples fato de respirar. Somente a ardente paciência fará com que conquistemos uma esplêndida felicidade.

Martha Medeiros

O silêncio


Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,
quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 14 de março de 2013

Os olhos de quem ama


Pode-se descobrir nos olhos de quem ama,
A luz que brilha intensa e faz-se cristalina,
Mostrando a alma toda a se envolver na chama,
De uma paixão imensa e forte que domina.

Força instintiva essa, n'alma adormecida,
Que, ao despertar se agita, cresce e se reponta
Do coração, e muda inteira a nossa vida.
Fazendo a mente, em sonhos,flutuar sem conta.

E assim o olhar de quem se entrega totalmente
À força da paixão, se expande livremente ,
Rompendo da tristeza o denso e negro véu.

Porque depois que o amor no coração desperta,
A gente se transforma e vive igual poeta,
Olhando para o mundo e vislumbrando o Céu.

Sá de Freitas

Hoje



Hoje...
acordei com saudades
De voar na imensidão de mim mesma...
E entre meus guardados,
Procurei minhas asas.
Houve um tempo em que
voava,
E me perdia numa estranha alegria
Escutando o vento.
Agora outra vez...
Pelo céu quero voar,
E por sobre a muralha dessa vida,
Construir meu momento.
Sem medo,
Deixar-me envolver na mais doce loucura
Lançar-me nesse vazio,
E absorver o silêncio profundo e vasto
Que me dá todas as respostas
Hoje quero voar...
Libertar o coração das amarras,
Deixa-lo livre
Para desvendar os horizontes
Desvanecer no espaço.
Esconder-me do mundo fazer parar o tempo...
Viver o sonho mais sonhado.
E num ato encantado,
dormir, no colo
da lua.

Glória Salles

Apenas um lugar


O lugar onde eu mais aprecio estar é o vasto e arejado jardim do coração tranquilo.
Nele, não sinto necessidade de entender coisa alguma.
Não pergunto nada e nem preciso responder.
O falatório desgastante, geralmente improdutivo, dos pensamentos abre espaço para o sorriso bom da paz.
Nele, os problemas todos continuam a existir, as pendências, as dores, os embaraços, mas assim mesmo eu descanso.
As coisas são como podem ser e eu não tento interromper o fluxo da vida.
Não espero nada, porque tudo o que mais importa já está ali, não há felicidade mais pura do que essa que não depende de nenhuma motivação externa para cantar.
Nele, eu me sinto em casa de novo, relembro a textura suave da nossa verdadeira natureza, perene e inalterável, ainda que nos afastemos muito dela e raramente consigamos estar no seu abraço.
Por mais que eu a esqueça pouco tempo depois, e sempre a esqueço nos rodamoinhos emocionais do cotidiano, nunca saio com as mãos vazias: trago de lá algumas mudas de sol que, mesmo quando eu não percebo, me ajudam a clarear os trechos de breu do caminho.

Ana Jácomo.

terça-feira, 12 de março de 2013

Desejo supremo


Viver serenamente, sem agitar-se nunca,
a vida iluminada, pela luz do amor,
e reter para todas as alegrias truncas
a pequena tristeza de uma pequena dor...

Ter sempre na mirada, serenamente pura,
o poder e o prestígio de alguma elevação
e sentir dentro da alma a emoção das alturas
e umas ânsias sagradas de purificação...

Ter assim para todos os seres e as coisas
uma doce alegria risonha e generosa,
perfumada da funda alegria de viver...

Então, somente então, viver serenamente,
sem nunca se agitar e muito suavemente
pela mansa doçura de uma tarde partir...

Pablo Neruda

Floresta


Na floresta não existe nem rebanho, nem pastor
Quando o inverno caminha, segue seu distinto curso como faz a primavera
Os homens nasceram escravos daquele que repudia a submissão
Se ele um dia se levanta, lhes indica o caminho, com ele caminharão
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o pasto das mentes,
e o lamento da flauta perdura mais que rebanho e pastor

Na floresta não existe ignorante ou sábio
Quando os ramos se agitam, a ninguém reverenciam
O saber humano é ilusório como a cerração dos campos
que se esvai quando o sol se levanta no horizonte
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o melhor saber,
e o lamento da flauta sobrevive ao cintilar das estrelas

Na floresta só existe lembrança dos amorosos
Os que dominaram o mundo e oprimiram e conquistaram,
seus nomes são como letras dos nomes dos criminosos
Conquistador entre nós é aquele que sabe amar
Dá-me a flauta e canta!
E esquece a injustiça do opressor
Pois o lírio é uma taça para o orvalho e não para o sangue

Na floresta não há crítico nem sensor
Se as gazelas se perturbam quando avistam companheiro, a águia não diz: ‘Que estranho’
Sábio entre nós é aquele que julga estranho
apenas o que é estranho
Ah, dá-me a flauta e canta!
O canto é a melhor loucura
e o lamento da flauta sobrevive aos ponderados e aos racionais

Na floresta não existem homens livres ou escravos
Todas as glórias são vãs como borbulhas na água
Quando a amendoeira lança suas flores sobre o espinheiro,
não diz: ‘Ele é desprezível e eu sou um grande senhor’
Dá-me a flauta e canta!
Que o canto é glória autêntica,
e o lamento da flauta sobrevive ao nobre e ao vil

Na floresta não existe fortaleza ou fragilidade
Quando o leão ruge não dizem: ‘Ele é temível’
A vontade humana é apenas uma sombra que vagueia no espaço do pensamento,
e o direito dos homens fenece como folhas de outono
Dá-me a flauta e canta!
O canto é a força do espírito,
e o lamento da flauta sobrevive ao apagamento dos sóis

Na floresta não há morte nem apuros
A alegria não morre quando se vai a primavera
O pavor da morte é uma quimera que se insinua no coração
Pois quem vive uma primavera é como se houvesse vivido séculos
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o segredo da vida eterna,
e o lamento da flauta permanecerá após findar-se a existência

Gibran Khalil Gibran

Descobri


Contei meus anos e descobri
Que terei menos tempo para viver do que já tive até agora....
Tenho muito mais passado do que futuro...
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de jabuticabas...
As primeiras, ele chupou displicentemente.............. 

Mas, percebendo que faltam poucas, rói o caroço...
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades...
Inquieto-me com os invejosos tentando destruir quem eles admiram.
Cobiçando seus lugares, talento e sorte.....
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas
As pessoas não debatem conteúdo, apenas rótulos...
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos...
Quero a essência.... Minha alma tem pressa....
Sem muitas jabuticabas na bacia
Quero viver ao lado de gente humana...muito humana...
Que não foge de sua mortalidade.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade....

Rubem Alves

segunda-feira, 11 de março de 2013

A tua boca


A tua boca. A tua boca.
Oh, também a tua boca.
Um túnel para a minha noite.
Um poço para a minha sede.

Os fios dormentes de água
que a tua língua solta num grito cor-de-rosa
e a minha língua sorve e canta
e os meus dentes mordem derramando a seiva
da tua primavera sem palavras
o poema inquieto e livre que a tua boca oferece
à minha boca.

As loucas bebedeiras de ternura
por essa viagem até ao sangue.
Os beijos como fogueiras.
As línguas como rosas.

Oh, a tua boca para a minha boca.

Joaquim Pessoa

Teu perfume


Me provoca sensações, 
E me faz viajar. 
Revive os sentimentos, 
Antes adormecidos. 
Estimula minha mente 
A descobrir a tua essência. 
Me faz viver uma emoção profunda 
No ritmo das quatro estações. 
Seu perfume, fala mais que palavras. 
E no compasso do tempo, 
Que te joga na minha história, 
E mistura futuro e memória. 
Marília Cavasin

O verbo no infinito


Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.

E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer de tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...

Vinicius de Moraes

sábado, 9 de março de 2013

Descobrir o amor


Ela: Paixão, um sedutor perigo,
Febril tormento, causa arrepio...
E apaixonar-se é querer pular em abismo...
Deixar cair sem asas pra voar!

Ele: Por não me sentir paixão,
pensei que não soubesse amar!
Me joguei em tantos abismos,
mas sem querer pular...

Ela: Eu pensei que amar
Fosse a paz de uma tarde ao lado de quem me faz sonhar...

Ele: Eu acreditei que dor fosse amor
Logo vi maldição...
Corri para longe do seio de quem me quis,
Não quis morrer de paixão!

Ela: Apaixonar-se é cair...
Eu percebi quando meus olhos cruzaram com teu olhar.
Eu sonhei e um par de asas ganhei.
Descobri que amar é em liberdade voar!

Ele: Teu voo calou o medo de meu espírito
Que aflito deixou-se enveredar em teus encantos
E mesmo temendo tornei-me leve...

Juntos: Descobrimos o amor, amando.
Alegria em viver!
A paixão tornou-se vento de prazer
Em nossas asas de amor...
E na liberdade que a nós chegou tão apetecida,
Descobrimos a paz que buscávamos por toda uma vida!

- Thoreserc -

Sagrado


Sagrado é o coração da árvore, a vigília da pedra, a gravidez da amêndoa, o pulsar do rio, a timidez do bosque, o trabalho discreto da semente.

Sagrado é o lenho, e a erva, o cavalo, o boi e o cão, sagrado é o sol, sagrada a casa, a noite, o dia, o círculo e a pirâmide. E sagrado é o vento e a vontade, e o branco e a esperança.

Sagrados são os montes e os filhos e os sentidos e os pássaros e os humildes. É sagrada a dança e a cabeça e o azul e a primavera. Sagrados são os cornos do inverno. E as flores amarelas. Sagrado é o desejo que umedece o corpo. Sagrada é a distância. E a memória.

Sagrados são os lábios, o cérebro e as mãos. E os astros, e a espuma e a teimosia dos metais. E é sagrada a arte e o amor e a claridade. E o centro do homem. E a voz da terra. E o equilíbrio dos instintos. E o mistério dos mortos e dos vivos. E as razões do amor.

Sagrado é a forma e a beleza e a luz e o fogo dos teus olhos.

Joaquim Pessoa

Se ao menos soubesses...


Se ao menos soubesses tudo o que eu não disse
ou se ao menos me desses as mãos como quem beija e não partisses, assim, empurrando o vento
com o coração aflito, sufocado de segredos;
se ao menos percebesses que eram nossos
todos os bancos de todos os jardins;
se ao menos guardasses nos teus gestos essa bandeira de lirismo que ambos empunhamos na cidade clandestina.
Quando as manhãs cheiravam a óleo e a flores
e o inverno espreitava ainda nas esquinas como uma criança tremendo;
se ao menos tivesses levado as minhas mãos para tocar os teus dedos...
para guardar o teu corpo;
se ao menos tivesses quebrado o riso frio dos espelhos onde o teu rosto se esconde no meu rosto
e a minha boca lembra a tua despedida,
talvez que, hoje, meu amor, eu pudesse esquecer
essa cor perdida nos teus olhos.

Joaquim Pessoa

sexta-feira, 8 de março de 2013

Canção na plenitude


Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.


Lya Luft

Sem palavras


No silêncio dos olhos
Em que língua se diz, em que nação,
Em que outra humanidade se aprendeu
A palavra que ordene a confusão
Que neste remoinho se teceu?
Que murmúrio de vento, que dourados
Cantos de ave pousada em altos ramos
Dirão, em som, as coisas que, calados,
No silêncio dos olhos confessamos?

José Saramago

Como faço para quebrar os paradigmas?


Simples. Pelo conhecimento.
Voltemos quinhentos anos atrás.
Estamos na Idade Média e todos acham que a Terra é plana e corre-se o risco de cair pela borda...
Pegamos uma foto da Terra vista do espaço e mostramos a eles. Passamos um filme feito da Lua com vista para a Terra. Aproximamos o zoom até que chega na cidade deles, na rua deles e no rosto deles. O que qualquer satélite faz hoje em dia. Provamos que é redonda.
Como fica o paradigma deles? Continuam achando que é plana?
Impossível. Se continuarem é caso de internação psiquiátrica.
Quebrou o paradigma deles? Sim.
É claro que devemos tomar algumas precauções para fazer isso.
Quem fez isso foi queimado na fogueira da Inquisição. Giordano Bruno.
Como foi quebrado o paradigma? Pelo conhecimento. Pela experiência direta do fato.
Em Tudo o mesmo método funciona. Estudando, raciocinando, analisando, tendo contato direto com o fenômeno ou fato.
Crença é algo que acreditamos porque optamos por acreditar. Independe de ser real ou verdade.
A pessoa opta por acreditar. Por isso se chama crença.
O contrario é conhecimento. A fé é uma crença. O conhecimento é saber.
A pessoa que sabe não tem fé. Ela tem conhecimento direto. Então não precisa ter fé em alguma coisa, ela sabe que é.
Portanto, para mudar de paradigma é preciso estudar o assunto. Vivenciá-lo. Então a verdade poderá ser conhecida.
“Conhecereis a verdade e ela libertar-vos-á”.
(Hélio Couto)

quinta-feira, 7 de março de 2013

Amor e lagrima


Ouve o mar que soluça na solidão
Ouve, amor, o mar que soluça
Na mais triste solidão
E ouve, amor, os ventos que voltam

Dos espaços que ninguém sabe
Sobre as ondas se debruçam
E soluçam de paixão
E ouve, amor, no fundo da noite

Como as árvores ao vento
Num lamento se debruçam
E soluçam para o chão.

Vinícius de Moraes

Poema Septuagésimo Sétimo


Não te peço perdão.
E peço-te que não me peças perdão.
Faz como os alfarrabistas para quem
não interessam as qualidades de uma obra
mas, e apenas, a sua raridade.
Não me julgues ainda.
Deixa que o tempo se encarregue desse julgamento.
Hoje e amanhã não são o mesmo dia.
Todos os passados já foram futuro, e o futuro
é com esses passados que tem de construir-se.
O próximo futuro.
Porque o futuro longínquo será a soma
dos futuros mais próximos, isto é,
a soma dos passados que hão de
vir, sem pedir perdão a um futuro
que, exatamente por ser futuro,
não se pode saber se chegará.

Joaquim Pessoa

Os dias felizes


Os dias felizes estão entre as árvores, 

como os pássaros:
Viajam nas nuvens,
Correm nas águas,
Desmancham-se na areia.

Todas as palavras são inúteis,
Desde que se olha para o céu.

A doçura maior da vida
Flui na luz do sol,
Quando se está em silêncio.

Até os urubus são belos,
No largo círculo dos dias sossegados.

Apenas entristece um pouco
Este ovo azul que as crianças apedrejaram:

Formigas ávidas devoram
A albumina do pássaro frustrado.

Caminhavamos devagar,
Ao longo desses dias felizes,
Pensando que a Inteligência
Era uma sombra da Beleza.

Cecília Meireles

quarta-feira, 6 de março de 2013

Se você apenas sorrir


Sorria, embora seu coração esteja doendo
Sorria, mesmo que ele esteja partido
Quando há nuvens no céu
Você sobreviverá...

Se você apenas sorri
Com seu medo e tristeza
Sorria e talvez amanhã
Você descobrirá que a vida ainda vale a pena 


Se você apenas sorrir...
Ilumine sua face com alegria
Esconda todo rastro de tristeza
Embora uma lágrima possa estar tão próxima
Este é o momento que você tem que continuar tentando
Sorria, pra que serve o choro?
Você descobrirá que a vida ainda vale a pena
Se você apenas sorrir...
Se você sorri
Com seu medo e tristeza
Sorriso e talvez amanhã
Você descobrirá que a vida ainda vale a pena

Se você apenas Sorrir...
Este é o momento que você tem que continuar tentando
Sorria, pra que serve o choro
Você descobrirá que a vida ainda vale a pena

Se você apenas Sorrir

Charles Chaplin

A vida é o dia de hoje...


A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave:

Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou,
A vida - pena caída
Da asa da ave ferida
De vale em vale impelida
A vida o vento levou!

João de Deus

Impontualidade do amor


Você está sozinho. Você e a torcida do Flamengo. Em frente a tevê, devora dois pacotes de Doritos enquanto espera o telefone tocar. Bem que podia ser hoje, bem que podia ser agora, um amor novinho em folha.

Trimmm! É sua mãe, quem mais poderia ser? Amor nenhum faz chamadas por telepatia. Amor não atende com hora marcada. Ele pode chegar antes do esperado e encontrar você numa fase galinha, sem disposição para relacionamentos sérios. Ele passa batido e você nem aí. Ou pode chegar tarde demais e encontrar você desiludido da vida, desconfiado, cheio de olheiras. O amor dá meia-volta, volver. Por que o amor nunca chega na hora certa?

Agora, por exemplo, que você está de banho tomado e camisa jeans. Agora que você está empregado, lavou o carro e está com grana para um cinema. Agora que você pintou o apartamento, ganhou um porta-retrato e começou a gostar de jazz. Agora que você está com o coração às moscas e morrendo de frio.

O amor aparece quando menos se espera e de onde menos se imagina. Você passa uma festa inteira hipnotizado por alguém que nem lhe enxerga, e mal repara em outro alguém que só tem olhos pra você. Ou então fica arrasado porque não foi pra praia no final de semana. Toda a sua turma está lá, azarando-se uns aos outros. Sentindo-se um ET perdido na cidade grande, você busca refúgio numa locadora de vídeo, sem prever que ali mesmo, na locadora, irá encontrar a pessoa que dará sentido a sua vida. O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa.

O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste. Seu amor pode estar no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um carro. Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole. O amor está em todos os lugares, você que não procura direito.

A primeira lição está dada: o amor é onipresente. Agora a segunda: mas é imprevisível. Jamais espere ouvir "eu te amo" num jantar à luz de velas, no dia dos namorados. Ou receber flores logo após a primeira transa. O amor odeia clichês. Você vai ouvir "eu te amo" numa terça-feira, às quatro da tarde, depois de uma discussão, e as flores vão chegar no dia que você tirar carteira de motorista, depois de aprovado no teste de baliza. Idealizar é sofrer. Amar é surpreender.


Martha Medeiros

terça-feira, 5 de março de 2013

Depois de Tudo te Amarei


Depois de tudo te amarei
como se fosse sempre antes
como se de tanto esperar
sem que te visse nem chegasses
estivesses eternamente
respirando perto de mim.

Perto de mim com teus hábitos,
teu colorido e tua guitarra
como estão juntos os países
nas lições escolares
e duas comarcas se confundem
e há um rio perto de um rio
e crescem juntos dois vulcões.

Perto de ti é perto de mim
e longe de tudo é tua ausência
e é cor de argila a lua
na noite do terremoto
quando no terror da terra
juntam-se todas as raízes
e ouve-se soar o silêncio
com a música do espanto.
O medo é também um caminho.
E entre suas pedras pavorosas
pode marchar com quatro pés
e quatro lábios, a ternura.
Porque sem sair do presente
que é um anel delicado
tocamos a areia de ontem
e no mar ensina o amor
um arrebatamento repetido

Pablo Neruda

Entre o luar e a folhagem


Entre o luar e a folhagem,
Entre o sossego e o arvoredo,
Entre o ser noite e haver aragem
Passa um segredo.
Segue-o minha alma na passagem.

Tênue lembrança ou saudade,
Princípio ou fim do que não foi,
Não tem lugar, não tem verdade.
Atrai e dói.

Segue-o meu ser em liberdade.

Vazio encanto ébrio de si,
Tristeza ou alegria o traz?
O que sou dele a quem sorri?
Nada é nem faz.
Só de segui-lo me perdi.

Fernando Pessoa

Amor


Amor, amor, amor, como não amam
os que de amor o amor de amar não sabem
como não amam se de amor não pensam
os que amar o amor de amar não gozam.
Amor, amor, nenhum amor, nenhum
em vez do sempre amar que o gesto prende
o olhar ao corpo que perpassa amante
e não será de amor se outro não for
que novamente passe como amor que é novo.
Não se ama o que se tem nem se deseja
o que não temos nesse amor que amamos
mas só amamos quando amamos ao acto
em que de amor o amor de amar se cumpre.
Amor, amor, nem antes, nem depois,
amor que não possui, amor que não se dá,
amor que dura apenas sem palavras tudo
o que no sexo é o sexo só por si amado.
Amor de amor de amar de amor tranquilamente
o oleoso repetir das carnes que se roçam
até ao instante em que paradas tremem
de ansioso terminar o amor que recomeça.
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amar o amor de amar não amam.

Jorge de Sena

segunda-feira, 4 de março de 2013

Sol... e chuva...


Gosto desses dias molhados, de chuva miúda, de chuva fina
chuva boa,
de névoa, de garoa,
em que a gente não sente a obrigação de ser feliz,
e fica em si mesmo à-toa...

Basta a gente ficar onde esta, nada mais, é tudo que se quer,
vendo a chuva cair, a chuva caindo,
ficar sentado, acomodado, num lugar qualquer
ouvindo o rumor da chuva, ouvindo.
ouvindo.

Dias que não pedem nada, que não exigem nada, que não incomodam,
em que a gente fica em casa, sem necessidade
de companhia, de ter alguém,
basta essa sensação que agora é minha...
Oh, a paz, essa felicidade impessoal, perfeita
que consegue ser feliz sozinha...

( Como doem certos dias de sol, de tanta alegria!)
Dias exigentes que gritam por felicidade, que reclamam vida e emoção
e que encontram às vezes a gente tão só
no meio de tanta gente,
tão só e desprevenido
sem saber que fazer - meu Deus! - do coração!

Dias de sol que derrubam a gente,
que maltratam a gente, passam por cima,
da gente
sem piedade,
tontos, deslumbrados,
e se vão a cantar uma felicidade
por todos os lados,
uma felicidade de bola de cristal, inexistente,
sem ver que ficamos no chão, como indigentes
abandonados...

Ah! gosto desses dias assim, de olhos embaciados, cinzentos,
de chuvinha mansa, de chuvinha boa,
que não perturbam o coração
que descansam a vista;
que, no máximo, esperam que a gente se sinta bem,
e nos deixam em paz, sem nada, nem ninguém,
- só isto!

Nesses dias, humilde e só, um pouco egoísta
talvez,
- existo...

JG de Araujo Jorge

Ainda que mal


Ainda que mal pergunte,
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entendas,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda, assim, pergunto:
me amas?
E me queimando em teu seio,
me salvo e me dano...
... de amor.

Carlos Drummond de Andrade

Hora


Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta — por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.
Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.
E dormem mil gestos nos meus dedos.
Desligadas dos círculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.
Ao longe por mim ouço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.
E de novo caminho para o mar.

Sophia de Mello Breyner

domingo, 3 de março de 2013

Silêncio Amoroso


Preciso do teu silêncio 
cúmplice
sobre minhas falhas.
Não fale.
Um sopro, a menor vogal
pode me desamparar.
E se eu abrir a boca
minha alma vai rachar.
O silêncio, aprendo,
pode construir. É um modo
denso/tenso
— de coexistir.
Calar, às vezes,
é fina forma de amar.
 
Affonso Romano de Sant'Anna

Amor em paz


Eu amei
Eu amei, ai de mim, muito mais
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar

Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais
Porque o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz.


Vinicius de Moraes

Cartografia


Deixe que meus versos
Acariciem teu ouvido
Para que cada palavra de minha boca
Busque os segredos profundos da tua pele.

Em verbos e adjetivos
Mapearei a geometria de tuas formas
Delirando entre sonhos e verdades
E vivências, desejos e loucuras.

Entre o toque da caneta no papel
E o de nossas línguas num beijo
Vai uma distância tão curta
Que escala alguma representará.

Derrubando fronteiras
Com rios de prosa a versejar
Traçarei meandros de corpos em corpos
Estremecendo as atmosferas desses encontros.

E quando o último verso meu
Escorrer por entre tuas pernas
Eu me afastarei
E contemplarei.

Cada linha eterna de tua beleza,
Eternamente gravadas em mim.
E saberei não haver distância
Entre minhas palavras e a tua boca.

Paulo Mont´Alverne

sábado, 2 de março de 2013

Isto


Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,

O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Fernando Pessoa

Amor e seu tempo


Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe

valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. 

Amor começa tarde.

Carlos Drummond de Andrade

Floresce e desfolha


Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.
Sobre o coração levamos o corpo,
sobre o corpo a camisa,
mas isto é pouco.
Alguém
imbecilmente
inventou os punhos
e sobre os peitos
fez correr o amido de engomar.
Quando velhos se arrependem.
A mulher se pinta.
O homem faz ginástica
pelo sistema Muller.
Mas é tarde.
A pele enche-se de rugas.
O amor floresce,
floresce,
e depois desfolha.

Vladimir Maiakóvski

sexta-feira, 1 de março de 2013

Quem me dera



Quem me dera... 
pudesse ainda,
ver o brilho intenso do teu olhar...
o desejo que fluía neles,
quando estavas a me olhar.

Quem me dera... 
ao anoitecer ,
olhar o céu e vê as estrelas cintilarem ...
identificar em uma delas... linda,
o brilho constante do teu olhar .

Quem me dera... 
ver na lua o teu sorriso...
malicioso a me fitar,
com o desejo presente de me beijar.

Que me dera... 
acreditar ,
um dia hei de te encontrar ...
e num mundo novo, 
irei te amar.

Rita Maria Medeiros de Almeida

Esperança


Não! A gente não morre quando quer,
Inda quando as tristezas nos consomem.
Há sempre luz no olhar de uma mulher
E sangue oculto na intenção de um homem.
Mesmo que o tempo seja apenas dor
E da desilusão se fique prisioneiro.
Vai-se um amor? Depois vem outro amor
Talvez maior do que o primeiro.
Sonho que se afogou na baixa-mar,
De novo há de erguer, cheio de fé,
Que mesmo sem ninguém o suspeitar,
Volta a encher a maré.
Não penses que jamais hás de achar fundo
Nem que entre as tuas mãos não terás outra mão.
Pode a vida matar o sonho e o sol e o mundo,
Mas não nos mata o coração.

JG de Araujo Jorge