segunda-feira, 29 de abril de 2013

A alma da minha alma


Escrever seria amar-te? 

Seria interromper este deserto limpar a ferida aberta?
Seria entrar no interior do centro fresco
percorrer essa praia que ninguém ainda pisou
beijar os teus sinais e a sede límpida
que desenha toda a chama alta do teu corpo?
Escrever seria estar contigo no interior da chama
beber o orvalho das palavras nos teus lábios?
No interior de um barco de folhagem verde
Animado de um braço intensamente vivo
Ligando-me cada vez mais à linguagem do teu corpo?

António Ramos Rosa

Tempo


Audacioso esconde a pedra
Na areia densa do chão cinzento
O forte algoz da vida,
o tempo.

Há um que corre. Há um só tempo (?)
Desse mesmo tempo:
singelo vento.
O outro:
[que nunca passa] escorre em nuvens
molhando a terra

Engano fausto, pretensão, portento
O vento passa,
A lama seca,
Areia muda

Depois do sono-existência [Grande ou pequeno]
O tudo, o nada
É tudo o tempo.

Pedro Mota Pereira

Aceitação


É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.
É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano
e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,
que desejar que apareças, criando com teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança.
Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,
nem tu.
Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar.

Cecília Meireles

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Sou menina ,sou mulher


Sou menina sou mulher.
Te faço rir e chorar.
Amo o luxo e o lixo.
Tenho gosto por flores
e paixão por armas
Feminina não feminista.

Adoro as jóias porem
motores me fascinam.
Não pode me faltar o sol
mas tenho a noite na alma.
Sinto fome de saciedade.
Se me der seu amor,
vou querer seu prazer
e pra que só prazer
se procuro um romance?

Sou sempre um paradoxo.
Tão obscura, tão distinta.
Sou uma em tantas.
Corro contra o tempo,
vou sem pressa de chegar.
Vivo assim por viver!


Ana Paula Félix Gervoni

Quem sou


Sou quem passa pela vida à deriva
Uma boia em alto mar
Um pássaro engaiolado sem espaço pra voar
Sou paciente em coma que só vive a sonhar
Sonhar, sonhar...E estes sonhos
Sonho em torna-los realidade
Sorrio pensando neles como se fosse verdade
Mas quando minha boca fecha este sorrido
E para um beijo se prepara
Não sinto nenhum roçar de lábios
E meu coração apaixonado
Dolentemente para
Como em um ataque fulminante
Um apaixonado que morre por falta de amante
Entro no quarto para chorar
E para ninguém ver fecho fecho a barulhenta porta
E entre quatro paredes me sinto morta
Com a cabeça pesada sento a beira da cama
Pego meu caderno na gaveta
E faço rascunhos do drama
Escrever é como sair da sepultura
Um cadáver que levanta pela magia da escritura
Sou quem passa pela vida e não vive
E de cada 5 passos 1 é declive
Me entrego aos eróticos devaneios
Sinto um certo tesão quando minhas próprias mãos
Tocam meus seios
O meu pensamento me excita
Meu corpo geme minha alma grita
Sou quem passa pela vida na carona da morte
Pelo rio aqueronte,onde a canoa de caronte
É meu transporte.

 Angelina Lima

Soneto da espera


O coração tem que esperar, mais nada!
Inda que a espera exaure a vida inteira
até que emprenhe o banho de alvorada
a luz das águas remansosas da ribeira...

O amor tem que esperar essa chegada!
Inda que chegue ao nunca do amanhã,
até que soem os clarins da madrugada
no ouvido íntimo dos sinos da manhã...

Sonhos são deuses surdos, nada mais!
E para deuses não existem horizontes
em que o amor desponte eternamente...

Sonhos de amor são brisas sazonais...
Às vezes partem por alguns instantes
e às vezes vão embora para sempre...

A. Estebanez

terça-feira, 23 de abril de 2013

Amar ou mais nada


Amar ou nada mais, o quanto importa
a falta que algum sonho ainda me faz.
Pensar-te nesta ausência me conforta
malgrado essa saudade que dói mais.

Louvado seja o amor que me suporta
como um barco sem âncora num cais
que vive de ir embora e sempre volta
para sonhar meus sonhos tão banais.

Amar ou nada mais, é o quanto basta
para que em ti a minha vida em festa
encontre o amor com tanta claridade,

que a intensidade dessa luz tão vasta
vá revestir de aurora o que nos resta
depois que anoitecer toda a saudade.

Afonso Estebanez

Postal


Por cima de que jardim
duas pombinhas estão,
dizendo uma para a outra:
"Amar, sim; querer-te, não"?

Por cima de que navio
duas gaivotas irão
gritando a ventos opostos:
"Sofrer, sim; esquecer, não"?

Em que lugar, em que mármores,
que aves tranquilas virão
dizer à noite vazia:
"Morrer, sim; esquecer, não"?

E aquela rosa de cinza
que foi nosso coração,
como estará longe, e livre
de toda e qualquer canção!

Cecília Meireles

Névoas


Nas horas tardias que a noite desmaia
Que rolam na praia mil vagas azuis,
E a lua cercada de pálida chama
Nos mares derrama seu pranto de luz,

Eu vi entre os flocos de névoas imensas,
Que em grutas extensas se elevam no ar,
Um corpo de fada — sereno, dormindo,
Tranqüila sorrindo num brando sonhar.

Na forma de neve — puríssima e nua —
Um raio da lua de manso batia,
E assim reclinada no túrbido leito
Seu pálido peito de amores tremia.

Oh! filha das névoas! das veigas viçosas,
Das verdes, cheirosas roseiras do céu,
Acaso rolaste tão bela dormindo,
E dormes, sorrindo, das nuvens no véu?

O orvalho das noites congela-te a fronte,
As orlas do monte se escondem nas brumas,
E queda repousas num mar de neblina,
Qual pérola fina no leito de espumas!

Nas nuas espáduas, dos astros dormentes
— Tão frio — não sentes o pranto filtrar?
E as asas, de prata do gênio das noites
Em tíbios açoites a trança agitar?

Ai! vem, que nas nuvens te mata o desejo
De um férvido beijo gozares em vão!...
Os astros sem alma se cansam de olhar-te,
Nem podem amar-te, nem dizem paixão!

E as auras passavam — e as névoas tremiam
— E os gênios corriam — no espaço a cantar,
Mas ela dormia tão pura e divina
Qual pálida ondina nas águas do mar!

Imagem formosa das nuvens da Ilíria,
— Brilhante Valquíria — das brumas do Norte,
Não ouves ao menos do bardo os clamores,
Envolto em vapores — mais fria que a morte!

Oh! vem; vem, minh'alma! teu rosto gelado,
Teu seio molhado de orvalho brilhante,
Eu quero aquecê-los no peito incendido,
— Contar-te ao ouvido paixão delirante!...

Assim eu clamava tristonho e pendido,
Ouvindo o gemido da onda na praia,
Na hora em que fogem as névoas sombrias
– Nas horas tardias que a noite desmaia.

E as brisas da aurora ligeiras corriam.
No leito batiam da fada divina...
Sumiram-se as brumas do vento à bafagem,
E a pálida imagem desfez-se em — neblina!

Fagundes Varela

domingo, 21 de abril de 2013

Ainda sinto


Sinto o olor, aquele aroma
de orquídeas que enfeitavam
nossa mesa de jantar...
tua mesa, na verdade, eu apenas
fui uma passante, talvez uma viajante -
vai saber, nem eu sei como me definir.
por que tu trocaste meus cachimbos
tão bem selecionados por cigarros
comprados na esquina?
o perfume mais raro de fumos selecionados
- que matariam teus girassóis -
por algumas tantas latas de cervejas
sorvidas até o último gole.
meu toque deveras suave,
em tuas melenas,
por mãos que vivem em guetos,
em ruelas, largadas à esbórnia,
cujos toques são nos mais variados
cabelos opacos e sem brilho.
por que tu não me disseste que
querias apenas viver como Al Berto
nos Equinócios?

Bruna Matos

Minhas ilusões


Quero tuas mãos sem tempo
trazendo os sons do vento
persistente na saudade
da voz ainda não ouvida
da face que não iluminou meus olhos
no abraço que nos fará um.

Colhe-me das tempestades
envolvendo como nuvens minhas palavras
sabendo que o silêncio as dividem,
a dor as descontrolam
fazendo um sussurro doce

ganho o mundo
no vôo dos teus olhos
na dança dos teus lábios
Pego a mão do destino
nos braços da esperança.

Conceição Bentes

Poema de amor para domingo


Se eu pudesse dar-te aquilo que não tenho
e que fora de mim jamais se encontra
Se eu pudesse dar-te aquilo com que sonhas
e o que só por mim poderá ter sonhado.
Se eu pudesse dar-te o sopro que me foge
e que fora de mim jamais se encontra
Se eu pudesse dar-te aquilo que descubro
e descobrir-te o que de mim se esconde.
Então serias aquele que existe
e o que só por mim poderá ter sonhado.

Ana Haterly

sábado, 20 de abril de 2013

Fragmentos


Variantes de mim ao sol chegar
Vou, fujo, rasgo-me agora.
Suplicando ao fim alapar.
Essência minha? Paro aurora,
vejo, surdo, escuridão, destinar.
A pétala queima no fogo afora
Saindo eu busco infinito.
Acordado lembro Atônito.

Lucio Melo

Quer saber o que eu penso ?


Quer saber o que eu penso?
Você aguentaria conhecer minha verdade? Pois tome. Prove. Sinta. Eu tenho preguiça de quem não comete erros. Tenho profundo sono de quem prefere o morno. 
Eu gosto do risco. Dos que arriscam. Tenho admiração nata por quem segue o coração. 
Eu acredito nas pessoas livres. Liberdade de ser. 
Coragem boa de se mostrar. Dar a cara a tapa! Ser louca, estranha, chata! Eu sou assim. 
Tenho um milhão de defeitos. Sou volúvel. Sou viciada em gente. Adoro ficar sozinha. 
Mas eu vivo para sentir. Por isso, eu te peço. Me provoque. Me beije a boca. Me desafie. 
Me tire do sério. Me tire do tédio. Vire meu mundo do avesso! 
Mas, pelo amor de Deus, me faça sentir… 
Um beliscãozinho que for, me dê. Eu quero rir até a barriga doer. 
Chorar e ficar com cara de sapo. Este é o meu alimento: 
palavras para uma alma com fome. 

Clarice Lispector

Explicação da eternidade


Devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
O ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

Os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

Por si só, o tempo não é nada.
A idade de nada é nada.
A eternidade não existe.
No entanto, a eternidade existe.

Os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
Os instantes do teu sorriso eram eternos.
Os instantes do teu corpo de luz eram eternos.
Foste eterna até ao fim.

José Luis Peixoto

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A sede


Seu beijo foi em meus lábios
uma doçura refrescante.

Sensação de água viva e amoras
Eu dei em sua amante boca.


Cansado... eu deitado na grama
com o braço estendido, para o apoio.

E eu... deixei cair um beijo em seus lábios,
como um fruto da selva maduro 
seixo rolado no riacho.


Eu tenho sede de novo, meu amado.
Dá-me o teu beijo fresco, 

tal como o rio que beija a pedra

Joana D'Ibarbourou

Cais


Ténue é o cais
no Inverno frio.
Ténue é o voo
do pássaro cinzento.
Ténue é o sono
que adormece o navio.
No vago cais
do balouço da bruma
ténue é a estrela
que um peixe morde.
Ténue é o porto
nos olhos do casario.
Mas o que em fora nos dilui
faz-nos exatos por dentro.

Fernando Namora

Hoje


HOJE: todo o ontem foi caindo
entre dedos de luz e olhos de sonho,
amanhã chegará com passos verdes:
ninguém detém o rio da aurora.

Nínguem detem o rio de tuas mãos,
os olhos de teu sonho, bem-amada,
és tremor do tempo que transcorre
entre luz vertical e sol sombrio,

e o céu fecha sobre ti suas asas
levando-te e trazendo-te a meus braços
com pontual, misteriosa cortesia:

por isso canto ao dia e à lua,
ao mar, ao tempo, a todos os planetas,
a tua voz diurna e a tua pele noturna.

Pablo Neruda

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O nosso mundo


Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Poisando em ti o meu olhar eterno
Como poisam as folhas sobre os lagos…

Os meus sonhos agora são mais vagos…
O teu olhar em mim, hoje, é mais terno…
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!

A vida, meu Amor, quer vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas, hemos de bebê-la!

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?…
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?…
O mundo, Amor?… As nossas bocas juntas!…

Florbela Espanca

Exaltação


Olhas nos olhos meus. E eu vejo neste instante
toda a terra subir a um céu que desconheço.
Olho nos olhos teus. E fica tão distante
o mundo: e todo o fel que ele contem, esqueço.

Sorris... e, contemplando o teu lindo semblante,
o ideal de minha vida, enfim, eu reconheço.
Falas... ouço-te a voz, e, impetuosa, radiante,
num gesto de ternura, os lábios te ofereço.

Beijas a minha boca. E neste beijo grande
-- como uma flor que ao sol desabrocha e se espande -- ,
todo o meu ser palpita e freme e vibra e estua.

Tudo é um sonho, no entanto; o seu beijo... o meu crime.
Mentirosa ilusão! Pobre ilusão que exprime
somente o meu desejo imenso de ser tua!

Colombina (Yde Schloenbach Blumenschein)

Ciclos


Foram tantas viagens
em naus desgovernadas,
voos sem destino,
palavras perdidas
e afetos sem retorno,
que ela cansou de sonhar...

Voltou para seu esconderijo,
se vestiu de luto
e um bom sorriso amarelo.
Dizia Bom dia,
sem saber qual era o dia.
Dizia Boa noite,
sem sequer ter visto o outro.

Uma noite distraída,
olhou pela janela entreaberta,
viu a lua majestosa, misteriosa e Linda.
Ah... Este simples vislumbre,
fez algo poderoso acontecer...
A Dona esperança voltar!

Arrebatada por esta emoção,
num gesto de valentia,
agarrou a lua com garra.
Livre de todas as amarras,
lançou-se novamente no imprevisível...
O sonho não acabou...

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Soneto


Aceitarás o amor como eu encaro?
... Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.

Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.

Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.

Que grandezsa... a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.

Mário de Andrade

Tristeza


Tenho cantado esperanças...
Tenho falado d'amores...
Das saudades e dos sonhos
Com que embalo as minhas dores...
Deve chamar-se tristeza

Deve chamar-se tristeza
Isto que não sei que seja
Que me inquieta sem surpresa,
Saudade que não deseja.

Sim, tristeza — mas aquela
Que nasce de conhecer
Que ao longe está uma estrela
E ao perto está não a ter.

Seja o que for, é o que tenho.
Tudo mais é tudo só.
E eu deixo ir o pó que apanho
De entre as mãos ricas de pó.

Fernando Pessoa

Reinvenção


A vida só é possível
reinventada.
Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Cecília Meireles

Que encanto é o teu?


Amo-te muito, meu amor, e tanto
que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter-te, meu amor. Não finda
com o próprio amor o amor do teu encanto.

Que encanto é o teu? Se continua enquanto
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz da guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto,

um cântico da terra e do seu povo,
nesta invenção da humanidade inteira
que a cada instante há que inventar de novo,

tão quase é coisa ou sucessão que passa...
Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.

Jorge de Sena

Amo - te


Como a planta que não floriu
e tem dentro de si,
escondida, a luz das flores,
e, graças ao teu amor,
vive obscuro em meu corpo
o denso aroma que subiu da terra.

Amo-te sem saber como,
nem quando, nem onde,
amo-te diretamente
sem problemas nem orgulho:
amo-te assim porque não sei amar
de outra maneira

a não ser deste modo
em que nem eu sou nem tu és,
tão perto que a tua mão
no meu peito é minha,
tão perto que os teus olhos
se fecham com meu sono."

Pablo Neruda

Um cair de cabelos


Um cair de cabelos nos teus ombros,
um suspiro preso à lembrança que
ficou, um brilho que se demora nos
olhos à janela, um eco que não passa
na memória de um murmúrio, o
abraço em que o tempo se suspende,
a voz que dança por entre ruídos e
silêncio, as mãos que não se libertam
num gesto de despedida, lábios que
outros lábios procuram, uma luz
que alastra na sombra que desce,
e uma sombra que se ilumina quando
a noite já cresce: tu, sonho que
faz real a realidade com que te sonho.

Nuno Júdice

Noturno



Amor! Anda o luar, todo bondade,
Beijando a Terra, a desfazer-se em luz…
Amor! São os pés brancos de Jesus
Que anda pisando as ruas da cidade!
E eu ponho-me a pensar… Quanta saudade
Das ilusões e risos que em ti pus!
Traças em mim os braços duma cruz,
Neles pregaste a minha mocidade!
Minh’alma que eu te dei, cheia de mágoas,
É nesta noite o nenúfar de um lago
Estendendo as asas brancas sobre as águas!
Poisa as mãos nos meus olhos, com carinho,
Fecha-os num beijo dolorido e vago…
E deixa-me chorar devagarinho…

Florbela Espanca

terça-feira, 16 de abril de 2013

Poema


Quero escrever-te um poema que
tenha um sentido claro como o
que os teus olhos me disseram.
Poderia ser um poema de amor,
tão breve como o instante em
que me deixaste ver os teus olhos.
Mas o que os olhos dizem não cabe
num poema, nem eu sei como se diz
o amor que só os olhos conhecem.

Nuno Júdice

Liberdade


Crescem-me as asas!
Descubro-me inteira!
Os laços se romperam.
Não tenho cadeias.
As algemas se partiram.
Não há limites.

Plaino no ar,
na imensidão do cosmos.
Sobrevoo o que restou.
Escombros não me pertencem.
Sou toda liberdade...
Já não tenho corpo!
A essência salta-me em demasia
Vejo-me sem peias,
Sem máscaras, sem fantasia.

Genaura Tormin

Amor é síntese


Por favor não me analise,
Não fique procurando cada ponto fraco meu,
Se ninguém resiste a uma análise profunda,
Quanto mais eu...
Ciumento, exigente, inseguro, carente,
Todo cheio de marcas que a vida deixou.
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor.
Amor é síntese,
É uma integração de dados,
Não há que tirar nem pôr.
Não me corte em fatias,
Ninguém consegue abraçar um pedaço,
Me envolva todo em seus braços
E eu serei perfeito, 

amor.

Mário Quintana.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Anseio


Frêmito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,
Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!
E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...
E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...

Florbela Espanca

Brahma Kumaris


Amor é o sol que não cobra por seus raios.
É o ar que preenche todos os recipientes por dentro e por fora.
É o oceano que aceita todos os tipos de rios sem questionar suas origens.
É a árvore que não se vangloria ao dar sombra e abrigo e curva-se para oferecer seus frutos.
É a água do mar que dissolve as rochas da arrogância inflexível.
É a água doce do rio que mata a sede de todos que vêm na sua praia.
É o chamado do sábio que ama o que sabe e sabe o que ama.

Brahma Kumaris

A maquina de costura


Talhem-se as palavras justas
ao corpo do sofrimento
as imagens serão curtas
amplos os ombros do tempo
soltos os panos dos olhos
bordados os do talento
cosidos os dos ouvidos
ao forro do pensamento.

Tome-se o têxtil do tema
e corte-se o que é preciso
com a tesoura do riso.
Mas na orla do poema
depois da obra acabada
deixe-se ao menos um dedo
de tristeza embainhada.

José Carlos Ary dos Santos

domingo, 14 de abril de 2013

Gaivota


Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
morreria no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.

Alexandre O'Neill

Amar o mar


Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar.
Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.
Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como dói
desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

Manuel Alegre

Lua adversa


Tenho fases, como a lua,
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...).
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

Cecília Meireles

sábado, 13 de abril de 2013

Beijo


Teu olhar é profundo
Teu respirar é doce
Teu calor é magnético
Teu toque é divino...
Teu beijo é magnifico...
Teu corpo é um oceano...
Teus olhos são como perolas...
Tudo em você me faz te desejar...
e jamais te esquecer...

pois nesse beijo...
selei meu amor por você... 

Amo-te...

Autor: Marcelo Rondoni

13/04  Dia Mundial do Beijo

Houve uma ilha em ti


Houve uma ilha em ti que eu conquistei.
Uma ilha num mar de solidão.
Tinha um nome a ilha onde morei.
Chamava-se essa ilha Coração.

Que saudades do tempo que passei.
Nenhum desses momentos foi em vão.
Do teu corpo, de ti, já nada sei.
Também não sei da ilha, não sei, não.

Só sei de mim, coberto de raízes.
Enterrei os momentos mais felizes.
Vivo agora na sombra a recordar.

A ilha que eu amei já não existe.
Agora amo o céu quando estou triste
por não saber do coração do mar.

Joaquim Pessoa

Poema dos Olhos da Amada


Oh, minha amada
Que os olhos teus

São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus

Oh, minha amada
Que olhos os teus

Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus

Oh, minha amada
Que olhos os teus

Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus

Ah, minha amada
De olhos ateus

Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus

Vinicius de Morais

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Estar Só é Estar no Íntimo do Mundo


Por vezes cada objeto se ilumina
do que no passar é pausa íntima
entre sons minuciosos que inclinam
a atenção para uma cavidade mínima
E estar assim tão breve e tão profundo
como no silêncio de uma planta
é estar no fundo do tempo ou no seu ápice
ou na alvura de um sono que nos dá
a cintilante substância do sítio
O mundo inteiro assim cabe num limbo
e é como um eco límpido e uma folha de sombra
que no vagar ondeia entre minúsculas luzes
E é astro imediato de um lúcido sono
fluvial e um núbil eclipse
em que estar só é estar no íntimo do mundo

António Ramos Rosa

Poesias


Não és bom, nem és mau: és triste e humano...
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se a arder no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.

Pobre, no bem como no mal padeces;
E rolando num vórtice insano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.

Capaz de horrores e de ações sublimes,
Não ficas com as virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:
E no perpétuo ideal que te devora,
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora.

Olavo Bilac

Assovio


Ninguém abra a sua porta
para ver o que aconteceu,
saímos de braço dado,
a noite escura mais eu.

Ela não sabe o meu rumo,
eu não lhe pergunto o seu,
não posso perder mais nada,
se o que houve já se perdeu.

Vou pelo braço da noite,
levando tudo que é meu:
a dor que os homens me deram,
e a canção que Deus me deu.

Cecília Meirellles

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Corações


Corações errantes...
amargos e dissimulados,
padecem separados...
morrem.

Corações alegres, vibrantes... 

amenos e serenos,
rejuvenescem unidos...
vivem.

Afastados ou ligados...
Sensatos ou errados...
Vivendo ou morrendo...
Um coração só existe,
em outro coração.

Juarez Florentino Dias Filho

Etérea


Os pés nem alcançavam o chão...
as mãos tão pouco encontravam o céu.
Bastou um simples toque,
um pequeno vestígio de paixão...
...e o coração,
antes sem via e nem rumo,
acelerou.
A alma criou asas,
fez-se leve...
Voou!

Andréa Maia

A melodia


Como a melodia...

a fragrância e a frescura de uma rosa, 
a fonte que me sacia a sede e me lava os olhos…
assim é o teu corpo alvo. 
Ama-se um corpo no abraçar dos lábios...
num querer apaixonado,
num lençol fino...
num sabor a palavras novas.
Como a melodia é o teu chegar a casa...
os véus azuis que ocultam as janelas
e as sombras que projetamos nas paredes do quarto. 
No amor não há horizontes tresmalhados 
mas auroras enamoradas...
não há ilhas utópicas que nos cerceiam as mãos, 
há histórias minhas e tuas. 
Pode a manhã escurecer... 
ou a tarde ficar pincelada por ventos agrestes 
que em nós repousam calmarias 
envoltas nos suspiros da dança. 
Haverá sempre uma melodia para os amantes... 
e um instante preciso para os pintores, 
haverá sempre um poema... 
enquanto formos os versos de todas as estrofes.

Fransisco Valverde Arsénio

quarta-feira, 10 de abril de 2013

É por ti que vivo


Amo o teu túmido candor de astro
a tua pura integridade delicada
a tua permanente adolescência de segredo
a tua fragilidade acesa sempre altiva

Por ti eu sou a leve segurança
de um peito que pulsa e canta a sua chama
que se levanta e inclina ao teu hálito de pássaro
ou à chuva das tuas pétalas de prata

Se guardo algum tesouro não o prendo
porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto
que dure e flua nas tuas veias lentas
e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar

Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva
para que sintas a verde frescura
de um pomar de brancas cortesias
porque é por ti que vivo é por ti que nasço
porque amo o ouro vivo do teu rosto

António Ramos Rosa

Borboletas


Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta -
Seria, com certeza, um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do
que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do ponto de vista de uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul.

Manoel de Barros

Devagar


Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.

Devagar...
Sim, devagar...
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar...

Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima...

Talvez isso tudo...
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar...
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo...
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?

Álvaro de Campos