quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O controle da alma


Lembra o retiro que te oferece esse pequeno domínio que és tu mesmo; acima de tudo, não te inquietes nem te oponhas, mas permanece livre e encara as coisas virilmente, como homem, como cidadão, como mortal. E, naquilo em que meditares mais frequentemente, estejam presentes estas duas verdades fundamentais: uma, que as coisas não afetam a alma, mas permanecem imóveis, fora dela, e as nossas perturbações resultam unicamente da opinião interior que a alma delas forma; outra, que tudo quanto contemplas mudará dentro de um instante e não mais existirá. Pensa em quantas mudanças já assististe. O cosmos é mutação; a vida, opinião.

Se suprimires a tua opinião sobre aquilo que te parece causar sofrimento, alcançarás perfeita segurança. Tu, quem? A razão. Mas eu não sou apenas razão. Seja. Então, que a razão não se perturbe a si mesma. Mas se outra parte de ti sofrer, que ela opine sobre si própria.

Marco Aurélio, in 'Pensamentos e Reflexões'

Olhos Negros


Por teus olhos negros, negros,
Trago eu negro o coração
De tanto pedir-lhe amores...
E eles a dizer que não.

E mais não quero outros olhos,
Negros, negros como são;
Que os azuis dão muita esp'rança,
Mas fiar-me eu neles, não.

Só negros, negros eu quero,
Que em lhes chegando a paixão,
Se um dia disserem sim...
Nunca mais dizem que não.

Almeida Garrett

Soneto do Desmantelo Azul


Então pintei de azul os meus sapatos
Por não poder de azul pintar as ruas,
Depois, vesti meus gestos insensatos
E colori as minhas mãos e as tuas.

Para extinguir de nós o azul ausente
E aprisionar no azul as coisas gratas,
Enfim, nós derramamos simplesmente
Azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
Que na amplidão que havia em nosso espaço
Pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
E vimos que entre nós havia um sul
Vertiginosamente azul. Azul

- Carlos Pena Filho

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A fonte e a flor



Deixa-me, fonte, dizia,
A flor, tonta de terror,
E a fonte, rápida e fria,
Cantava, levando a flor.

Deixa-me, deixa-me, fonte,
Dizia a flor, a chorar.
Eu fui nascida no monte,
Não me leves para o mar!

E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
por sobre a areia corria,
Corria, levando a flor.

“Ai, balanços do meu galho,
Balanços do berço meu,
Ai, claras gotas de orvalho,
Caídas do azul do céu!”

“Carícias das brisas leves
Que abrem rasgões de luar,
Fonte, fonte, não me leves,
Não me leves para o mar

As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor

Vicente de Carvalho

Manhã de Inverno


Coroada de névoas, surge a aurora
Por detrás das montanhas do oriente;
Vê-se um resto de sono e de preguiça,
Nos olhos da fantástica indolente.

Névoas enchem de um lado e de outro os morros
Tristes como sinceras sepulturas,
Essas que têm por simples ornamento
Puras capelas, lágrimas mais puras.

A custo rompe o sol; a custo invade
O espaço todo branco; e a luz brilhante
Fulge através do espesso nevoeiro,
Como através de um véu fulge o diamante.

Vento frio, mas brando, agita as folhas
Das laranjeiras úmidas da chuva;
Erma de flores, curva a planta o colo,
E o chão recebe o pranto da viúva.

Gelo não cobre o dorso das montanhas,
Nem enche as folhas trêmulas a neve;
Galhardo moço, o inverno deste clima
Na verde palma a sua história escreve.

Pouco a pouco, dissipam-se no espaço
As névoas da manhã; já pelos montes
Vão subindo as que encheram todo o vale;
Já se vão descobrindo os horizontes.

Sobe de todo o pano; eis aparece
Da natureza o esplêndido cenário;
Tudo ali preparou com sábios olhos
A suprema ciência do empresário.

Canta a orquestra dos pássaros no mato
A sinfonia alpestre, a voz serena
Acordo os ecos tímidos do vale;
E a divina comédia invade a cena.

Machado de Assis

As vezes


As vezes o propósito de Deus não é do jeito que a gente espera...
Às vezes, Ele nos permite até chorar e ter que enfrentar a guerra.
A gente só precisa entender, Deus prova aqueles que são escolhidos.
Não pense que Ele não te ama, mas é que Ele tem propósito contigo!
Deus pode permitir o choro, mas depois consola.
Pode permitir a dor, mas depois Ele cura, pode permitir a prova mas a recompensa chega ao final.
Deus pode permitir a queda, mas depois levanta.
Pode permitir a luta, mas depois Deus sempre chega com vitória.
A tua vida tá no controle de Deus.
Tua casa tá no controle de Deus.
Suas promessas Deus tem guardado na palma da mão.
O teu futuro tá no controle de Deus.
Tua história está no controle de Deus, te aquieta!
O Senhor está a contemplar a tua causa...
seja lá qual for a situação que você enfrenta, tão somente creia!
Pois o Senhor se coloca de pé para pelejar por ti! ...
Deus te abençoe hoje e sempre em nome de Jesus!



quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Encontrar


"Vontade de me apaixonar, 

de ser vencida por um olhar,
de ser roubada por uma mão que me pega na cintura,
de ver alguém me descobrindo com ar de surpresa,
de perder o raciocínio para o pensamento em alguém,
de não enxergar distância entre os dois lados da cidade,
de me arrumar por algum motivo a mais que o trabalho,
de ter disposição para encontrar músicas novas,
de ler uma poesia e saber que seria possível vivê-la,
de encontrar alguma graça em passar pelo domingo,
vontade de ser encontrada em uma multidão de vazios,
vontade de que fosse agora e para sempre.
Preciso te achar ...

desesperadamente...
e é tão pouco e quase próximo...
o que nos separa... 

são os encontros."


Cáh Morandi

Que Eu tenha sempre comigo:


Colo de mãe.
Abraço apertado.
Riso de graça.
Brilho no olho.
Amor quentinho.
Tristeza que passa.
Força nos ombros.
Criança por perto.
Astral bonito.
Prece nos lábios.
Saudade mansinha.
Fé no futuro.
Delicadeza nos gestos.
Conversa que cura.
Cotidiano enfeitado.
Firmeza nos passos.
Sonhos que salvam.

Livrai-me de tudo que me trava o riso."
Amém!!

O melhor lugar do mundo


É um lugar que no meio do terremoto e descontrole mental, você lembra do rosto, da voz ou do cheiro da filha. É a fronha cheirosa toda noite. É a janela do quarto aberta pro sol entrar e vista pro céu. É barulho de risada de criança num parque. É sorvete de menta sentada de frente pro mar. É sentar ao lado do moço querido, é a curva entre o ombro e o pescoço, aquele espaço
onde cabe a cabeça certinho. É acordar acreditando que o céu é mesmo azul e vestir-se dele. É braço enlaçado na cintura. É mesa de bar com amigos etílicos desenvolvendo assuntos desimportantes. É a música que virou saudade. É aquele sonho no jardim quando a gente encontra com todo mundo que foi morar por lá. É xícara de chocolate quente. Plantação de girassol na estrada e cheiro de mato no final da tarde.
Porque o melhor lugar do mundo não é referenciado em latitude, não existe coordenada geográfica, é um barracão colorido itinerante com largas portas verdes de felicidade, onde todo mundo pode entrar

Vanessa Leonardi

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Gotas de afeto


O afeto é um sentimento puro e Divino, ele simplesmente existe
para aqueles que guardam em seu coração a tranqüilidade
e a confiança infinita no amor fraterno
e incondicional para com o próximo.
Para construir o afeto basta que sejamos mais humildes
para com as dificuldades do outro e menos egoístas
para com a nossa vida.
Dê por onde passar gotas de afeto a quem precisar
e assim construirá um oceano de afeto em sua vida.
Quando o afeto faz parte da nossa vida
e mora em nosso coração, não existe a tristeza nem sentimentos
menores como a raiva e a ganância.
Por isso ter afeto também transforma nossos defeitos
e por isso devemos sempre lembrar que sem a doçura
e leveza do afeto não conseguiremos a nossa transformação interior.

Não deixe pra amanhã


Não deixe para amanhã
Para dizer eu te amo!
Estou com saudades de você!
Perdoe-me!
Desculpe-me!
Essa flor é para você!
Não, não deixe para amanhã
Para perguntar...
Por que você está triste?
O que há com você?
Ei vem cá,
Vamos conversar.
Cadê seu sorriso!
Vamos nos divertir!
Percebeu que eu existo?
Por que choras?
Estou com você,
Sabe que pode contar comigo,
Cadê seus sonhos,
Onde está sua garra?
Lembre-se!
Amanhã pode ser tarde,
Procure,
Vá atrás, insista!
Tente... mais uma vez,
Só hoje é definitivo.
Amanhã pode ser tarde...

G.poetisa D’amor

Todos vivem apenas para sua abastança


Os tempos actuais são tempos de aurea mediocritas e de indiferença, de paixão pela ignorância, de preguiça, de incapacidade para o trabalho prático e da necessidade de receber tudo já pronto. 
Ninguém raciocina, será raro alguém elaborar uma ideia pessoal.
(...) Hoje em dia exterminam as florestas da Rússia, esgotam os solos da Rússia, transformam a Rússia numa estepe e preparam-na para os calmuques. 
Se aparecer um homem de esperança que plante uma árvore, todos se rirão: 
«Será que vives até ela crescer?» 
Por outro lado, os que aspiram ao bem falam de como será dentro de mil anos.
Desapareceu por completo uma ideia cimentadora. 
É como se toda a gente vivesse numa estalagem, preparando-se para fugir amanhã da Rússia. 
Todos vivem apenas para a sua abastança...

Fiodor Dostoievski, in 'O Adolescente' ( século XIX)

domingo, 14 de outubro de 2012

Viagem


Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura.
O que importa é partir, não é chegar.

Miguel Torga

Faça o melhor



Não perca tempo.
Não fuja ao dever.
Respeite os compromissos.
Sirva quanto possa.
Ame intensamente.
Trabalhe com ardor.
Ore com fé.
Fale com bondade.
Não critique.
Observe construindo.
Estude sempre.
Não se queixe.
Plante alegria.
Semeie paz.
Ajude sem exigências.
Compreenda e beneficie.
Perdoe quaisquer ofensas.
Atenda à pontualidade.
Conserve a consciência tranqüila.
Auxilie generosamente.
Esqueça o mal.
Cultive sinceridade...
aceitando-se como é e acolhendo os outros como os outros são...
procurando... porém, fazer sempre o melhor ao seu alcance.


André Luiz

Vencer o mundo da vida banal


De início creio, como Schopenhauer, que um dos motivos mais fortes conduzindo à arte e à ciência é o desejo de evasão da existência terra a terra com a sua aspereza dolorosa e o seu desolado vazio, de libertação das peias dos próprios desejos eternamente volúveis. É uma força impelindo os que a ela são sensíveis a sair da existência pessoal para o mundo da contemplação e da compreensão objectiva; esse motivo é semelhante à atração, que leva o habitante da cidade irresistivelmente a sair do seu ambiente barulhento e confuso e procurar a paisagem calma dos altos montes, onde o olhar se espraia pelo ar tranquilo e puro e acaricia as linhas calmas, que parecem ter sido criadas para a eternidade. A esse motivo negativo, porém, alia-se outro positivo. O homem procura formar para si, de qualquer modo adequado, uma imagem simples e clara do Mundo e vencer assim o mundo da vida banal tentando substituí-lo, até certo grau, por essa mesma imagem. É o que faz o pintor, o poeta, o filósofo especulativo e o cientista da natureza, cada um à sua maneira. É dessa imagem e da sua conformação que ele faz o centro da sua vida afetiva, para procurar aquela tranquilidade e segurança que não consegue encontrar no turbilhão demasiado estreito da experiência pessoal.

Albert Einstein, in 'Como Vejo o Mundo'

sábado, 13 de outubro de 2012

A parte que falta


Em cada esquina que passo
meus olhos procuram você,
em cada palavra que disser
metade será por você...

caminho por onde essa busca
rebate na tônica vazia
e quando um chamado me vem
a incógnita se faz garantia...

E tudo a rigor não é nada
nem mesmo o anseio do sim,
então novamente me perco
buscando a metade de mim...

Marçal Filho

Canção das mulheres

Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.

Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.

Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.

Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.

Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''

Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.


Lya Luft

O amor não deveria ser exigente

O Amor não deveria ser exigente...
Senão, ele perde as asas e não pode voar;
torna-se enraizado na terra e fica muito mundano.Então ele é sensualidade e traz grande infelicidade e sofrimento.
O amor não deveria ser condicional, nada se deveria esperar dele.
Ele deveria estar presente, por estar presente, e não por alguma recompensa, e não por algum resultado.
Se houver algum motivo nele, novamente seu amor não poderá se tornar o céu.
Ele está confinado ao motivo;o motivo se torna sua definição, sua fronteira.
Um amor não motivado não tem fronteiras:
É a fragrância do coração.
Esqueça essa história de querer entender tudo.Em vez disso, VIVA,
Em vez disso, DIVIRTA-SE!
Não analise, CELEBRE!

Osho

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Isto


Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Fernando Pessoa

O desejo de discutir


Se as discussões políticas se tornam facilmente inúteis, é porque quando se fala de um país se pensa tanto no seu governo como na sua população, tanto no Estado como na noção de Estado enquanto tal. Pois o Estado como noção é uma coisa diferente da população que o compõe, igualmente diferente do governo que o dirige. É qualquer coisa a meio caminho entre o físico e o metafísico, entre a realidade e a ideia.
È a esse género de estirilidade que estão geralmente condenadas, tal como acontece com as discussões políticas, as que incidem sobre a religião, pois a religião pode ser sinónima de dogmas, ou de ritual, ou referir-se a posições pessoais do indivíduo sobre questões ditas eternas, o infinito e a eternidade, problemas do livre arbítrio e da responsabilidade ou, como se diz também: Deus.

E o mesmo acontece com as discussões que têm a ver com a maior parte dos assuntos abstractos, sobretudo a ética e os temas filosóficos, mas também com campos de análise mais restritos, incidindo sobre os problemas mais imediatos, como por exemplo o socialismo, o capitalismo, a aristocracia, a democracia, etc..., em que as noções são tomadas tanto no sentido amplo como no restrito, umas vezes de modo concreto, outras de modo abstracto, umas vezes sob uma perspectiva física, outras sob perspectiva metafísica; - a maior parte das conversas sobre todos esses assuntos só parecem de resto possíveis porque nenhuma noção é apreendida com completa nitidez, e dificilmente pode sê-lo, ou se evita mesmo completamente traçar limites precisos, sendo essa a última coisa que se pensaria fazer. Porque aquilo que prevalece neste género de discussão, mais frequentemente do que se pensa, não é a necessidade da verdade mas o desejo de discutir.

Arthur Schnitzler, in 'Relações e Solidão

Pessoas felizes e pessoas infelizes



Existem pessoas felizes e pessoas infelizes, e todas elas se questionam.
Umas bebem champanha e outras água da torneira, e se fazem as mesmas indagações. 
Se existe uma coisa que nos unifica são as dúvidas que trazemos dentro. 
São pequenas angústias que se manifestam silenciosamente, angústias que não gritam, ou gritam sumarizadas em úlceras, insônias e depressões. 
Angústias diante das mentiras consensuais. O que são mentiras consensuais? 
São aquelas que todo mundo topou passar adiante como se fosse verdade. 
Aquelas que ouvimos de nossos pais, eles de nossos avós, e que automaticamente passamos para nossos filhos, colaborando assim para o bom andamento do mundo, para uma sanidade comum. 
O amor, o sentimento mais nobre e vulcânico que há, tornou-se a maior vítima deste consenso. 
Mentiras consensuais: o amor não acaba, não se pode amar duas pessoas ao mesmo tempo, quem ama quer filhos, quem ama não sente desejo por outro, amor de uma noite só não é amor, o amor requer vida partilhada, amor entre pessoas do mesmo sexo é antinatural.
Tudo mentira. 
O amor, como todo sentimento, é livre.É arredio a frases feitas, debocha das regras que tentam lhe impor. 
Esta meia dúzia de coordenadas instituídas como verdades fazem com que muitas pessoas achem que estejam amando errado, quando estão simplesmente amando. 
Amando pessoas mais jovens ou mais velhas ou do mesmo sexo ou amando pouco ou amando com exagero, amando um homem casado ou uma mulher bandida ou platonicamente, amando e ganhando, todos eles, a alcunha de insanos, como se pudéssemos controlar o sentimento. 
O amor é dono dele mesmo, somos apenas seu hospedeiro. Há outros consensos geradores de angústia: o mito da maternidade, a necessidade de um Deus, a juventude eterna. Sobem e descem de ônibus milhares de passageiros que parecem iguais entre si, porém há entre eles os que não gostam de crianças, os que nunca rezaram, os que estão muito satisfeitos com suas rugas e gorduras, os que não gostam de festas e viagens, os que odeiam futebol, os que viverão até os cem anos fumando, os que conversam telepaticamente com extraterrestres, os ermitões, enfim, os desajustados de um mundo que só oferece um molde. 
Todos nós, que estamos quites com as verdades concordadas, guardamos, lá no fundo, algo que nos perturba, que nos convida para o exílio, que revela nossa porção despatriada. 
É a parte de nós que aceita a existência das mentiras consensuais, entende que é melhor viver de acordo com o estabelecido, mas que, no íntimo, não consegue dizer amém. 

Martha Medeiros

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

As asas de um anjo


Liberdade
Livre arbítrio
Duas asas... várias vidas
Só os anjos nos conduzem

Sobre as asas do meu anjo
Vou voando... vou voando
Contemplando a natureza
Relembrando o passado

Vou voando... vou voando
Sobre as asas do meu anjo
Exercitando as virtudes
Corrigindo imperfeições

Vou voando... vou voando
Vou vivendo o presente
Construindo o futuro

Vou voando... vou voando
Em vôos altos e rasantes
Vou voando... vou voando
Almejando a perfeição



Lágrimas ocultas


Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Florbela Espanca —

O egoísmo da espécie

Os amantes querem pertencer um ao outro, e para toda a eternidade. Exprimem-se de maneira assaz curiosa quando se abraçam num instante de profunda intimidade para gozarem assim do máximo prazer e da mais alta felicidade que o amor lhes pode dar. Mas o prazer é egoísta. Não há dúvida que do prazer dos amantes não se pode dizer que seja egoísta, porque é recíproco; mas o prazer que ambos sentem na união é absolutamente egoísta, se for verdade que nesse abraço já se confundem num só e mesmo ser. Mas estão enganados; porque, no mesmo instante, a espécie triunfa sobre os indivíduos; domina-os, rebaixa-os, ao seu serviço. Julgo isto muito mais ridículo do que a situação considerada cômica por Aristófanes. Porque o cômico desta bipartição reside em ser contraditória, o que Aristófanes não salientou suficientemente. Quem vê um homem, crê ver um ser inteiro e independente, um indivíduo, o que toda a gente admite até que observe que, apoderado pelo amor, ele não passa de uma metade que corre à procura da outra metade.
Nada há que seja cómico na metade de uma maçã; cómico seria tomar por maçã inteira a metade de uma maçã; não há contradição no primeiro caso, há apenas no segundo. Se tomarmos a sério o dito de que a mulher é a metade do ser humano, a mulher não nos parecerá cómica na estranha situação do amor. O homem, pelo contrário, que goza de consideração social porque é um ser completo, torna-se cómico quando de repente se deita a correr em busca da mulher e prova assim que não deixara de ser apenas metade do ser humano. Quanto mais reflectimos tanto mais nos parecerá divertida a situação; porque se o homem é realmente um todo, na situação de amante deixa de o ser, ou então forma com a mulher muito mais do que uma unidade. Não estranhemos pois que os deuses se divirtam, e que principalmente se divirtam à custa do homem. Quando os amantes, como dois pombinhos, voam pelos céus em núpcias deliciosas, podemos acreditar que eles querem unir-se, ser uma só unidade, já que dizem querer viver um para o outro pelos tempos sem fim. Mas - é curioso -, em lugar de viverem um para o outro, vivem, sem que disso suspeitem, apenas para a espécie.

Soren Kierkegaard, in 'O Banquete' (Discurso do Mancebo, sem experiência no amor)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Intervalo


Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado -
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?

Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?

Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?

Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca -
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.


Fernando Pessoa

O amor quando se revela


O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr'a saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa

Silêncio


De repente, um silêncio tão bem dito que não entendi mais nada. Ao contrário de outros, alguns silêncios apagam a luz.

Bendita seja a claridade das palavras também quando permitem que dúvidas sejam dissolvidas. Que equívocos não sejam alimentados. Que distâncias não cresçam. Que a confiança prevaleça. Que o afeto não se torne encabulado.

Bendita seja a claridade das palavras também quando ficamos no escuro da incompreensão, tateando as paredes deste cômodo pouco ventilado à procura de um interruptor qualquer que acenda o nosso entendimento.

Bendita seja a claridade das palavras também quando aproximam, em vez de afastar. Quando nos possibilitam o conforto da verdade, mesmo que ela desconforte. Quando simplesmente queremos saber o que está acontecendo com as pessoas que amamos simplesmente porque amamos.

Bendita seja a claridade das palavras quando ditas com o coração. Ele sabe como acender a luz.

[Ana Jácomo, Silêncio]

O Valor da Ingenuidade


O maior perigo que corre o ingenuo: o de querer ser esperto. Tão ingenuo que cuida, coitado, de que alguma vez no mundo o conhecimento valeu mais do que a ingenuidade de cada um. A ingenuidade é o legítimo segredo de cada qual, é a sua verdadeira idade, é o seu próprio sentimento livre, é a alma do nosso corpo, é a própria luz de toda a nossa resistência moral.
Mas os ingenuos são os primeiros que ignoram a força criadora da ingenuidade, e na ânsia de crescer compram vantagens imediatas ao preço da sua própria ingenuidade.
Raríssimos foram e são os ingenuos que se comprometeram um dia para consigo próprios a não competir neste mundo senão consigo mesmos. A grande maioria dos ingenuos desanima logo de entrada e prefere tricher no jogo de honra, do mérito e do valor. São eles as próprias vítimas de si mesmos, os suicidas dos seus legítimos poetas, os grotescos espantalhos da sua própria esperteza saloia.

Bem haja o povo que encontrou para o seu idioma esta denunciante expressão da pessoa que é vítima de si mesma: a esperteza saloia. A esperteza saloia representa bem a lição que sofre aquele que não confiou afinal em si mesmo, que desconfiou de si próprio, que se permitiu servir de malícia, a qual como toda a espécie de malícia não perdoa exatamente ao próprio que a foi buscar. Em português a malícia diz-se exatamente por estas palavras: esperteza saloia.
Parecendo tão insignificante, a malícia contudo fere a individualidade humana no mais profundo da integridade do próprio que a usa, porque o distrai da dignidade e da atenção que ele se deve a si mesmo, distrai-o do seu próprio caso pessoal, da sua simpatia ou repulsa, da sua bondade ou da sua maldade, legítimas ambas no seu segredo emocional.
Porque na ingenuidade tudo é de ordem emocional. Tudo. O que não acontece com as outras espécies de conhecimento onde tudo é de ordem intelectual. Na ordem intelectual é possível reatar um caminho que se rompeu. Na ordem emocional, uma vez roto o caminho, já nunca mais se encontrará sequer aquela ponta por onde se rompeu.
O conhecimento é exclusivamente de ordem emocional, embora também lhe sirvam todas as pontas da meada intelectual.

Almada Negreiros, in "Ensaios"

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Velhas Árvores


Olha estas velhas árvores, mais belas

Do que as árvores moças, mais amigas,

Tanto mais belas quanto mais antigas,

Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera e o inseto, à sombra delas


Vivem, livres da fome e de fadigas:

E em seus galhos abrigam-se as cantigas

E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!

Envelheçamos rindo. Envelheçamos

Como as árvores fortes envelhecem,

Na glória de alegria e da bondade,

Agasalhando os pássaros nos ramos,

Dando sombra e consolo aos que padecem!

Olavo Bilac

Sutil diferença


Depois de algum tempo, aprendes a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma.

Que amar não significa apoiar-se e que companhia nem sempre significa segurança…
Que beijos não são contratos e presentes não são promessas…
E não importa o quão boa seja uma pessoa, ela vai ferir-te de vez em quando e precisas perdoá-la por isso…

Que falar pode aliviar dores emocionais.
Descobres que se leva anos para se construir confiança e apenas alguns segundos para destruí-la… e que podes fazer coisas num instante, das quais te arrependerás pelo resto da vida.

Que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias… E o que importa não é o que tu tens na vida, mas quem tens na vida.

Descobres que as pessoas com quem mais te importas na vida, são tiradas de ti muito depressa; por isso, devemos sempre deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas…pode ser a última vez que as vemos…

Que paciência requer muita prática
Que quando estás com raiva tens o direito de estar com raiva, mas isso não dá o direito de seres cruel.

Que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém…algumas vezes tens que aprender a perdoar-te a ti mesmo.

Que com a mesma severidade com que julgas, tu serás em algum momento, condenado.

E finalmente,
Que o tempo, não é algo que possa voltar atrás.

Portanto, planta o teu jardim e decora a tua alma, ao invés de esperar que alguém te traga flores.

E percebes que realmente podes suportar…

que realmente és forte, e que podes ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais.
Que realmente a vida tem valor, e que tu tens valor diante da vida!

E só nos faz perder o bem que poderíamos conquistar, o medo de tentar!

Infinitude dos amantes


Se até agora ainda não possuo todo o teu amor... 

Amor, nunca o terei de todo.
Não posso soltar mais um suspiro, comover-me,
Nem suplicar a mais outra lágrima que corra;
E todo o meu tesouro, que deveria comprar-te —
Suspiros, lágrimas, juras e cartas — já gastei.
Porém, nada mais me poderá ser devido,
Além do proposto no negócio acordado:
Se então a tua dádiva de amor foi parcial,
Que parte a mim, parte a outros, caberia,
Amor, nunca te possuirei totalmente.

Mas, se então me deste tudo,
Tudo seria apenas o tudo que ao tempo tinhas;
E se em teu coração, desde então, existe ou venha
A existir novo amor gerado por outros seres,
Cujos haveres estejam intactos e possam, em lágrimas,
Em suspiros, em juras e cartas, exceder a minha oferta,
Este novo amor pode suscitar novos receios,
Dado que um tal amor não foi jurado por ti.
Mas se foi, sendo as tuas dádivas gerais,
O terreno — o teu coração —, é meu, e o que quer
Que nele cresça, querida, pertence-me totalmente.

Porém, também não o quereria todo ainda,
Porque quem tudo tem nada mais pode possuir
E visto que o meu amor deve aceitar cada dia
Um novo aumento, deverias reservar-me novas recompensas.
Não podes dar-me o teu coração todos os dias,
Porque se pudesses, é porque nunca mo tinhas dado.
E tais são os enigmas do amor: ainda que teu coração parta,
Fica em casa; e ao perdê-lo, tu salvaste-o.
Mas nós encontraremos um caminho mais nobre
Que a troca de corações: poderemos uni-los, e assim
Seremos um, e o todo de cada um.

John Donne

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Rosas da manhã


Se tu queres dar-me flores
Deixe que eu mesma escolha
Não será escolha vã.
Não quero cravos, hortênsias.
Não quero orquídeas ou dálias.
Quero rosas da manhã.

Haverá de ser bonito
Encontrá-las na varanda
Vermelhas como maçã.
Mas não num bouquet, cortadas.
Quero-as num vaso, plantadas.
Lindas rosas da manhã!

E amanhã, quando as pessoas
Se espantarem com a beleza,
O viço e a maciez de lã,
Eu lhes direi, orgulhosa:
Foi o amor que me deu as rosas.
Minhas rosas da manhã!

Arabela Morais

Feliz dia para quem é


Feliz dia para quem é
O igual do dia,
E no exterior azul que vê
Simples confia!

Azul do céu faz pena a quem
Não pode ser
Na alma um azul do céu também
Com que viver

Ah, e se o verde com que estão
Os montes quedos
Pudesse haver no coração
E em seus segredos!

Mas vejo quem devia estar
Igual do dia
Insciente e sem querer passar.
Ah, a ironia

De só sentir a terra e o céu
Tão belo ser
Quem de si sente que perdeu
A alma p’ra os ter!

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

Liberdade e Constrangimento são dois aspectos da mesma Necessidade


Liberdade e constrangimento são dois aspectos da mesma necessidade, que é ser aquele e não um outro. Livre de ser aquele, não livre de ser um outro. (...) Não há quem o não saiba. Os que reclamam a liberdade reclamam a moral interior, para que nem assim o homem deixe de ser governado. O gendarme - dizem eles de si para si - está no interior. E os que solicitam a coação afirmam-te que ela é liberdade de espírito. Tu, na tua casa, tens a liberdade de atravessar as antecâmaras, de medir a passos largos as salas, uma por uma, de empurrar as portas, de subir ou descer as escadas. E a tua liberdade cresce à medida que aumentam as paredes e as peias e os ferrolhos. E dispões de um número tanto maior de tos possíveis onde escolher aquele que hás-de praticar, quantas mais obrigações te impôs a duração das tuas pedras. E, na sala comum, onde assentas arraiais no meio da desordem, deixas de dispor de liberdade, passa a haver dissolução.
E, afinal de contas, todos sonham com uma e a mesma cidade. Mas um reclama para o homem, tal como ele é, o direito de agir. O outro, o direito de modelar o homem, para que ele seja e possa agir. E todos celebram o mesmo homem.

Mas enganam-se quer um quer o outro. O primeiro julga-o eterno e existente por si, sem saber que vinte anos de ensino, de constrangimentos e de exercícios alicerçaram nele este e não num outro. As tuas faculdades de amor provêm-te mais do exercício da oração do que da liberdade interior. O mesmo se passa com o instrumento de música, se o não aprendeste a tocar, ou com o poema se não conheces nenhuma linguagem. E o segundo também se engana, porque acredita nas paredes e não no homem, no templo, só conta o silêncio que as domina. E esse silêncio na alma dos homens. E a alma dos homens, onde se conserva esse silêncio. Aí está o templo diante do qual eu me prostro. Mas aqueloutro faz o seu ídolo de pedra e prosterna-se diante da pedra enquanto pedra...
Antoine de Saint-Exupéry, in "Cidadela"

domingo, 7 de outubro de 2012

Teus olhos meu horizonte


Busquei-te hoje
na primeira solidão
quando andavas distraído
pelos campos e campinas
nos campos das manhãs

Te busquei nos sóis azuis
do teu olhar
tal duas estrelas serenas
a brilhar na madrugada,
alheias a saudade
que me abatia.

Pousei nos teus ombros
como a brisa,
abraçando o sonho que criei
misturando nossos sons
nossos dons, nossas vidas.

Conceição Bentes

De tatuagens ,marcas e reentrâncias


As minhas marcas, a partir de agora, escolho eu.
Minha primeira tatuagem fará aniversário no mês que vem, junto comigo.
Lembro que foram anos de argumentação para convencer a minha mãe a assinar a autorização [na época eu era menor de idade].
Meu melhor argumento, indubitavelmente, foi uma comparação entre as marcas de dentro e as de fora.
A gente carrega cicatrizes pela vida afora, alguém que descontou as frustrações em cima de você, outro que foi embora quando você mais precisava que ele ficasse, um namorado que te traiu, uma amizade que se desfez por bobagem, um laço que se rompeu, alguém que a vida [ou a morte] levou muito depressa e te faz falta todos os dias…
Então, quando se olha pra dentro, está tudo sulcado fundo, aparente, visível com clareza, muitas vezes, até os outros enxergam.
Está lá a tua dor estampada, bordada em neon e não te foi dado nem o direito de escolher a cor, a forma ou a textura da marca.
Não houve um álbum de opções das figuras a serem levadas por dentro pra sempre, nem opção de profissional a encravá-las nas minhas entranhas.
Mas querendo ou não, elas estão ali, não tem roupa nem maquiagem que as esconda.
São as minhas marcas, as minhas reentrâncias, minha falta de simetria.
E lá vinha a mãe dizer:
– Tu vai te arrepender depois!
Ok, mãe, se eu me arrepender, terei de aprender a conviver com elas como aprendi a conviver com as outras, aquelas que você não enxerga.
Porque, pelo menos, essa eu pude escolher, foi marcada com o meu consentimento e meu desejo em algum momento, não uma aceitação.
Sempre desprezei a idéia de aceitar as imposições da vida. Fui criança teimosa, adolescente rebelde e, finalmente, adulta independente.
Eu escolho minha rota, batendo o pé se for preciso. Torta, torta sim, porque os atalhos e as curvas são para quem consegue se perder para se encontrar.
E para decorar minha viagem, levo minhas marcas tatuadas, as de dentro e as de fora.
Convivendo com as escondidas, escolhendo as visíveis, porque independentemente do que se carrega, a vida sempre segue.

Bruna Barrievillo

Somos Pó


Esta nossa chamada vida, não é mais do que um círculo que fazemos de pó a pó: 

do pó que fomos ao pó que havemos de ser. 
Uns fazem o círculo maior, outros menor, outros mais pequeno, outros mínimo: De utero translatus ad tumulum: Mas ou o caminho seja largo, ou breve, ou brevíssimo; como é círculo de pó a pó sempre e em qualquer parte da vida somos pó. 
Quem vai circularmente de um ponto para o mesmo ponto, quanto mais se aparta dele, tanto mais se chega para ele: e quem, quanto mais se aparta, mais se chega, não se aparta. 
O pó que foi nosso princípio, esse mesmo e não outro é o nosso fim, e porque caminhamos circularmente deste pó para este pó, quanto mais parece que nos apartamos dele, tanto mais nos chegamos para ele: o passo que nos aparta, esse mesmo nos chega; o dia que faz a vida, esse mesmo a desfaz; e como esta roda que anda e desanda juntamente, sempre nos vai moendo, sempre somos pó.

Padre António Vieira, in "Sermões"

sábado, 6 de outubro de 2012

Um anjo


Amanhã será sempre outro dia, 
outra vida!
Não terei mais temores agora no presente 
e do passado.
Agora eu irei sorver somente o presente 
e encontrar o futuro.
Pouco ou quase nada quero saber de você, 
irei descobrir...
Anjo...
 Como faço para ter-te sem prender?
Ultimar? 
Para sempre faremos.
Longe... 
Muito perto aqui você estava.
Amanhã? 
Quero viver hoje... 
Agora!
Minhas poesias têm mais alma,
 minh’alma mais vida!
Alheado? 

Sinto-me por este estranho sentir novo.
Conceder o fecundo em meu coração.
Hoje menos revolto sinto o meu espírito, 

o meu ser.
Amar-te serei capaz, 
nos completar.
Doravante quero sempre encontrar 
e ter o meu anjo.
Ocupar, querer o seu coração, o seu amor? 
Irei fazer!

Geraldo Nogueira

Narrativa


Andei buscando esse dia
pelos humildes caminhos
onde se escondem as coisas
que trazem felicidade:
os amuletos dos grilos
e os trevos de quatro folhas...
Só achei flor de saudade.

O arroio levava o tempo.
Ia meu sonho atrás de água.
No chão dormiam abertas
minhas duas mãos sem nada.
Se me chamavam de longe,
se me chamavam de perto,
era perdida a chamada...

Viajei pelas estrelas,
dentro da rosa-dos-ventos.
Trouxe prata em meus cabelos,
pólen da noite sombria...
Mirei no meu coração,
vi os outros, vi meu sonho,
encontrei o que queria.

Já não mais desejo andanças;
tenho meu campo sereno,
com aquela felicidade
que em toda parte buscava.
O tempo fez-me paciente.
A lua, mais doce.
O mar, profunda, erma e brava.

Cecília Meireles

Revolução da alma




Ninguém é dono da sua felicidade,
por isso não entregue sua alegria,
sua paz, sua vida, nas mãos de ninguém,
absolutamente ninguém.
Somos livres, não pertencemos a ninguém
e não podemos querer ser donos dos desejos,
da vontade ou dos sonhos de quem quer que seja.
Se você anda repetindo muito
“eu preciso tanto de você" ou
"você é a razão da minha vida",
cuide-se.
Remova essas palavras e principalmente a ação dessas palavras da sua vida, 
pois fazem muito mal ao seu "eu" interior.
A razão da sua vida é você mesmo.
A Sua paz interior é a Sua meta de vida,
quando sentir um vazio na alma,
quando acreditar que ainda está faltando algo,
mesmo tendo tudo, remeta seu pensamento para os seus desejos mais íntimos e busque a divindade que existe em você.
Pare de colocar sua felicidade cada dia mais distante de você.
Não coloque objetivos longes demais de suas mãos, abrace os que estão ao seu alcance hoje.
Se você anda desesperado por problemas financeiros, amorosos ou de relacionamentos familiares,
busque em seu interior a resposta para acalmar-lhe, você é reflexo do que pensa diariamente.
Pare de pensar mal de você mesmo, e seja seu melhor amigo sempre.
Sorrir significa aprovar, aceitar, felicitar.
Então abra um sorriso para aprovar o mundo que lhe quer oferecer o melhor.
Com um sorriso no rosto as pessoas terão as melhores impressões de você, e você estará afirmando para você mesmo, que está "pronto” para ser feliz.
Trabalhe, trabalhe muito a seu favor.
Pare de esperar a felicidade sem esforços.
Pare de exigir das pessoas aquilo que nem você conquistou ainda.
Critique menos, trabalhe mais.
E, não se esqueça nunca de agradecer.
Quando você agradece, Deus recebe seu coração.
Agradeça tudo que está em sua vida nesse momento, inclusive a dor.
Nossa compreensão do universo, ainda é muito pequena para julgar o que quer que seja na nossa vida.
Por fim,
acredite que não estamos sozinhos um instante sequer.
Você pode, através de uma oração simples e de coração buscar Aquele que é maior que quaisquer problemas.
Unir-se a DEUS nos momentos de alegria, garante uma facilidade maior de contato nos momentos menos alegres.

Paulo Roberto Gaefke

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Soneto 102


Bendita sejas tu em meu caminho!
Bendita sejas tu, pela coragem
com que fizeste de um amor selvagem
esse amor que se humilha ao teu carinho!


Bendita sejas, porque a tua imagem
suaviza toda angústia e todo espinho...
Já não maldigo a insipidez da viagem,
nem me sinto só, nem vou sozinho...


Bendita sejas tantas vezes quantas
são as aves no céu; e são as plantas
na terra; e são as horas de emoção
em que juntos ficamos, de mãos dadas,
como se nossas vidas irmanadas
vivessem por um mesmo coração!


José G de Araujo Jorge

O engano do imediato


É preciso dominar a impressão produzida pelo que é visível e presente; tal impressão tem uma força extraordinária se for confrontada com o que é meramente pensado e sabido, não em virtude de sua matéria e seu conteúdo, frequentemente insignificantes, mas da sua forma, da clareza e do imediatismo por meio dos quais ela se impõe ao espírito, perturbando a sua paz ou até mesmo fazendo vacilar os seus propósitos. 

É assim que algo agradável, ao qual renunciamos depois de reflectir, nos estimula quando o temos diante dos olhos; assim nos magoa um julgamento cuja incompetência é do nosso conhecimento, irrita-nos uma ofensa cujo carácter desprezível compreendemos; da mesma maneira, dez razões contra a existência de um perigo são sobrepujadas pela falsa aparência da sua real presença etc.

(...) Quando todos os que nos circundam têm uma opinião diferente da nossa e se comportam em conformidade com ela, é difícil não ficarmos abalados, por mais que estejamos convencidos do erro dessas pessoas. 
Pois o que é presente, o visível, por estar facilmente ao alcance da vista, age sempre com toda a sua força; em contrapartida, pensamentos e causas requerem tempo e calma para serem analisados com cuidado, razão pela qual não podemos tê-los presentes a todo o instante. 
Para um rei fugitivo, que viaja incógnito, o cerimonial de submissão do seu fiel acompanhante, observado apenas por ambos, representa um fortalecimento quase necessário para que ele, no final, não duvide de si mesmo.
Por conseguinte, o conhecimento intuitivo, que se impõe a cada instante e atribui uma importância e um significado desproporcionais ao que é insignificante mas presente, constitui uma perturbação e uma falsificação constantes do sistema dos nossos pensamentos; do mesmo modo como, inversamente, no caso de trabalhos físicos, o pensamento representa uma interferência na compreensão puramente intuitiva.

Arthur Schopenhauer, in 'A Arte de Ser Feliz'

Decida brilhar!


Se você for uma pessoa que brilha,
é bem provável que ao longo do caminho
circunstâncias, obstáculos,tentarão apagar esse brilho
Não se intimide!
Brilhe assim mesmo!
Nada poderá ofuscar a luz que habita em você!
É dom de Deus!
É graça!

Brilhar é fazer das noites sombrias, versos e poesias
Brilhar é servir esta poesia em uma bandeja
enfeitada com morangos e cerejas
Brilhar é juntar o rio de lágrimas desprezadas ao chão
e lançá-las a um lugar muito mais alto
onde formam-se as chuvas para o próximo verão.
Brilhar é doar-se por amor
oferecer as mãos junto ao coração

Brilhar é saber esperar o inverno passar
com o coração aquecido de esperança
Brilhar é espalhar pétalas no caminho
sem se preocupar com quem vai passar,ou não...
Brilhar é voltar atrás e corrigir o tráfego
reconhecer que faltou barro pra sustentar a construção.

Brilhar é ser diferente!
É ter alma de criança!
É ter mel dentro de si, é brincar com os bem-ti-vis
Seja no inverno,seja no verão.

Arnalda Rabelo

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Fascinação


A vez primeira que te ouvi dos lábios
Uma singela e doce confissão,
E que travadas nossas mãos, eu pude
Ouvir bater teu casto coração,

Menos senti do que senti na hora
Em que, humilde – curvado ao teu poder,
Minha ventura e minha desventura
Pude, senhora, nos teus olhos ler.

Então, como por vínculo secreto,
Tanto no teu amor me confundi,
Que um sono puro me tomou da vida
E ao teu olhar, senhora, adormeci.

É que os olhos, melhor que os lábios, falam
Verbo sem som, à alma que é de luz.
- Ante a fraqueza da palavra humana -
O que há de mais divino o olhar traduz.

Por ti, nessa união íntima e santa,
Como a um toque de graça do Senhor,
Ergui minh’alma que dormiu nas trevas,
E me sagrei na luz do teu amor
.
Quando a tua voz puríssima – dos lábios,
De teus lábios já trêmulos correu,
Foi alcançar-me o espírito encantado
Que abrindo as asas demandara o céu.

Mas, se é certo que a baça mão da morte
A outra vida melhor nos levará,
Em Deus, minh’alma adormeceu contigo,
Em Deus, contigo um dia acordará.

Machado de Assis

P E R S I S T Ê N C I A


Nas lutas diárias da vida, lembre-se de que tudo tem um tempo próprio para realizar-se.
A árvore mais alta do mundo, um dia foi semente.
O mar gigantesco é formado por pequenos rios que despejam suas águas em um encontro marcado.
A hora do relógio é formada por segundos que se juntam para formar o minuto.
A casa mais bela e rica, um dia foi apenas projeto.
Assim, tudo segue um cronograma e na Lei Divina nada segue aos pulos ou com privilégios,
tudo é justiça pura.

Sabendo que o mundo é construído por etapas, que tudo está em seu devido lugar e no devido momento certo, não abandone seus sonhos, não desistas de lutar pelo seu crescimento.

Refaça seus planos se preciso for, ajuste-o ao momento atual e se agarre com Deus.
Acredite na sua força, mas acredite também que você nunca está sozinho; em nenhum momento os anjos te abandonaram, talvez você não tenha deixado eles se aproximarem, mas eles sempre estarão perto de você.

Não se assuste com as atitudes das pessoas que te cercam; nem sempre elas estão no seu melhor dia, e todos nós temos o direito de estarmos chateados ou até tristes e sem vontade de falar com ninguém. Portanto, respeite o indivíduo que existe em cada pessoa; não crie expectativas com a vida dos outros, você acaba se machucando e fazendo com que as pessoas se sintam responsáveis por atitudes que só você esperava, que você nem sequer comunicou a pessoa interessada, apenas desejou em seu íntimo.

Tudo tem seu tempo!

E o seu tempo de plantar é todos os dias; é a cada minuto. Semeie amor, distribua sementes de carinho e em breve você irá ter a maior colheita de felicidade que um ser humano pode ter. Nada supera o amor, velhas mágoas desaparecem sob a ação do amor; inimigos se abraçam em nome do amor; parentes afastados se reencontram em nome do amor, e você será abençoado pelo amor que Deus derrama, todos os dias, sobre a sua cabeça em sinal de que

Ele acredita em você, sempre!
Eu acredito em você
(Paulo Roberto Gaefke)

Ainda que mal


Ainda que mal pergunte,


ainda que mal respondas;

ainda que mal te entenda,

ainda que mal repitas;

ainda que mal insista,

ainda que mal desculpes;

ainda que mal me exprima,

ainda que mal me julgues;

ainda que mal me mostre,

ainda que mal me vejas;

ainda que mal te encare,

ainda que mal te furtes;

ainda que mal te siga,

ainda que mal te voltes;

ainda que mal te ame,

ainda que mal o saibas;

ainda que mal te agarre,

ainda que mal te mates;

ainda assim te pergunto

e me queimando em teu seio,

me salvo e me dano: 

amor.


Carlos Drummond de Andrade, in 'As Impurezas do Branco'