segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Liberdade e Constrangimento são dois aspectos da mesma Necessidade


Liberdade e constrangimento são dois aspectos da mesma necessidade, que é ser aquele e não um outro. Livre de ser aquele, não livre de ser um outro. (...) Não há quem o não saiba. Os que reclamam a liberdade reclamam a moral interior, para que nem assim o homem deixe de ser governado. O gendarme - dizem eles de si para si - está no interior. E os que solicitam a coação afirmam-te que ela é liberdade de espírito. Tu, na tua casa, tens a liberdade de atravessar as antecâmaras, de medir a passos largos as salas, uma por uma, de empurrar as portas, de subir ou descer as escadas. E a tua liberdade cresce à medida que aumentam as paredes e as peias e os ferrolhos. E dispões de um número tanto maior de tos possíveis onde escolher aquele que hás-de praticar, quantas mais obrigações te impôs a duração das tuas pedras. E, na sala comum, onde assentas arraiais no meio da desordem, deixas de dispor de liberdade, passa a haver dissolução.
E, afinal de contas, todos sonham com uma e a mesma cidade. Mas um reclama para o homem, tal como ele é, o direito de agir. O outro, o direito de modelar o homem, para que ele seja e possa agir. E todos celebram o mesmo homem.

Mas enganam-se quer um quer o outro. O primeiro julga-o eterno e existente por si, sem saber que vinte anos de ensino, de constrangimentos e de exercícios alicerçaram nele este e não num outro. As tuas faculdades de amor provêm-te mais do exercício da oração do que da liberdade interior. O mesmo se passa com o instrumento de música, se o não aprendeste a tocar, ou com o poema se não conheces nenhuma linguagem. E o segundo também se engana, porque acredita nas paredes e não no homem, no templo, só conta o silêncio que as domina. E esse silêncio na alma dos homens. E a alma dos homens, onde se conserva esse silêncio. Aí está o templo diante do qual eu me prostro. Mas aqueloutro faz o seu ídolo de pedra e prosterna-se diante da pedra enquanto pedra...
Antoine de Saint-Exupéry, in "Cidadela"

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