sexta-feira, 28 de junho de 2013

Amar


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais este e aquele, o outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disse que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar

Florbela Espanca

Há mulheres...


"Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes
e calma"

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Diz-me


Diz-me por favor onde não estás
em qual lugar posso não te ver,
onde posso dormir sem te lembrar
e onde relembrar sem que me doa.

Diz-me por favor onde posso caminhar
sem encontrar as tuas pegadas,
onde posso correr sem que te veja
e onde descansar com a minha tristeza.

Diz-me por favor qual é o céu
que não tem o calor do teu olhar
e qual é o sol que tem luz apenas
e não a sensação de que me chamas.

Diz-me por favor qual é o lugar
em que não deixaste a tua presença.
Diz-me por favor onde no meu travesseiro
não tem escondida uma lembrança tua.

Diz-me por favor qual é a noite
em que não virás velar meus sonhos.
Que não posso viver porque te espero
e não posso morrer porque te amo.

Jorge Luis Borges

quinta-feira, 27 de junho de 2013

O amor da insônia


Mais uma noite vou dormir com minha insônia
que este é o meu modo de viver num paraíso,
pois que sonhar dormindo é a inútil cerimônia
que me priva de amanhecer com teu sorriso...

Sonhar com pesadelos é perder-te o instante
de andar pelo jardim que no teu corpo existe,
mais doce quando sonhas é o teu semblante
de quem jamais desperta com o sorriso triste.

Então vou acordar como quem nunca dorme,
aguardar que teu beijo então me faça a hora
esperando que o encanto de te amar retorne
e cante como pássaro que acorda a aurora...

Afonso Estebanez

Como um segredo...


... como um segredo
Que eu mesma não desvendei:
Há notas nesta guitarra que não toquei,
Há praias na minha ilha que nem andei.
É preciso que me tomes, além do riso e do olhar,
Naquilo que não conheço e adivinhei;
É preciso que me ensines a canção do que serei
E me cries com teu gesto
Que nem sonhei.

Lya Luft

C...


Sim - coroemos as noites
Com as rosas do himeneu;
Entre flores de laranja
Serás minha e serei teu!

Sim - quero em leito de flores
Tuas mãos dentro das minhas...
Mas os círios dos amores
Sejam só as estrelinhas.

Por incenso os teus perfumes,
Suspiros por oração,
E por lágrimas somente
As lágrimas da paixão!

Dos véus da noiva só tenhas
Dos cílios o negro véu;
Basta do colo o cetim
Para as Madonas do céu!

Eu soltarei-te os cabelos...
Quero em teu colo sonhar!
Hei de embalar-te...do leito
Seja lâmpada o luar!

Sim - coroemos as noites
Da laranjeira co'a flor;
Adormeçamos num templo,
Mas seja o templo do amor.

É doce amar como os anjos
Da ventura no himeneu;
Minha noiva, ou minh'amante,
Vem dormir no peito meu!

Dá-me um beijo - abre teus olhos
Por entre esse úmido véu:
Se na terra és minha amante,
És minha alma no céu!

Álvares de Azevedo

terça-feira, 25 de junho de 2013

Tortura


Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento! ...

Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento ...

São assim ocos, rudes, os meus versos
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

Florbela Espanca

Pensante


''Ela sentada, pensando oque que deu de errado
Então esperando, seu príncipe encantado;
Já não tem mais amiga em quem poder confiar
Um abraço essas horas é que lhe iria acalmar.

Tudo abandonaste, e a luz da esperança é teu sonho
O fruto da vida tornou-se seu mundo medonho,
De alegria passas-te a ter um passado tristonho
E agora já não acredita em futuro risonho.

Mais de todos corações vazios ainda gera gota,
Passou a existir quando gerou de boca a boca,
Ainda que muitos a chamassem de louca,
Raízes renasceram fortes, jamais sendo poucas."
Ronaldinho

Viver


Quando a gente está contente
tanto faz o quente, tanto faz o frio.
Tanto faz que eu me esqueça
do meu compromisso ou isso e aquilo
que aconteceu dez minutos atrás.
Dez minutos atrás já deu
pra uma teia de aranha crescer
e aprender a sua vida na cadeia do pensamento
que de um momento pra outro começa a doer.
Quando a gente está contente
gente é gente, gato é gato
barata pode ser um barato total.
Tudo que você comer deve fazer mal.
Quando a gente está contente
nem pensar que está contente
nem pensar que está contente
nem pensar: a gente quer
a gente quer, a gente quer
a gente quer é viver.

Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Bucólico


Sol brando que amorna a pele,
deitados na grama,
o casal que se ama, se despe...
Deixam no passado,
naquelas ruas asfaltadas,
toda a mágoa
que um dia sobrou...
Sob o sol que não queima,
eles se deitam
na grama com cheiro bom!
O pó daquelas ruas
do passado, de tantas queixas,
ah, ali não chega!
Agora, eles só desejam
fazer as pazes,
deitados na grama verde,
aquecidos pelo sol d’outono...
Sol brando, gostoso,
que não queima o coração!

P.Z.

Canção de amor


"Como hei-de segurar a minha alma
para que não toque na tua? Como hei-de
elevá-la acima de ti, até outras coisas?
Ah, como gostaria de levá-la
até um sítio perdido na escuridão
até um lugar estranho e silencioso
que não se agita, quando o teu coração treme.
Pois o que nos toca, a ti e a mim,
isso nos une, como um arco de violino
que de duas cordas solta uma só nota.
A que instrumento estamos atados?
E que violinista nos tem em suas mãos?
Oh, doce canção."

Rainer Maria Rilke

Um dia...


Um dia quando a ternura
for a única regra da manhã,
acordarei entre os teus braços,
a tua pele será talvez
demasiado bela
e a luz compreenderá
a impossível compreensão do amor.
Um dia quando a chuva secar na memória.
quando o inverno for tão distante,
quando o frio responder devagar
com a voz arrastada de um velho,
estarei contigo e cantarão pássaros
no parapeito de nossa janela,
sim, cantarão pássaros, haverá flores,
mas nada disso será culpa minha,
porque eu acordarei nos teus braços
e não direi nenhuma palavra,
nem o princípio de uma palavra,
para não estragar
a perfeição da felicidade.


José Luis Peixoto

sábado, 22 de junho de 2013

É a coisa que mais quero


Amor é a coisa mais alegre
amor é a coisa mais triste
amor é coisa que mais quero.
Por causa dele falo palavras como lanças.
Amor é a coisa mais alegre
amor é a coisa mais triste
amor é coisa que mais quero.
Por causa dele podem entalhar-me,

Sou de pedra sabão.
Alegre ou triste,
amor é coisa que mais quero.

Adélia Prado

Tingiu... ah, borrou!



E o azul celeste
Sorriu!
Na curva alva
Da nuvem
Que ali...

Passeou...

Foi num
Instante só,
Que muito
Não durou...

Lindo céu azul
Os lábios
Entreabriu!

Branca nuvem
Que vibrou...
Pássaros
Gorjearam,
O vento soprou!

E lá no alto,
O sol dourado
Abençoou...

Céu ‘blue jeans’
Lavado,
Que sorriu,
Alegria gerou!

Tingiu o céu
No batom,
Cor de nuvem,
De algodão,
Branquinha...

Que ali
Passeou...

Foi tão rápido!
Ah, que pena!
E daí borrou...

Mas, o céu azul
Cor de céu,
Tão lindo!
Naquele
Instante ínfimo,
Sorriu!

E nada além...

Nada mais,
Aqui na Terra,
Pra mim
Importou!

P.Z.

Do lado de cá...


Vejo!
As águas de sal mescladas,
De verdes anis, de sépias azuis...
... Ondas que vêm, ondas que vão...
E a cor dos meus olhos, elas marejam!
... Longe dos seus olhos
Os meus inda estão...

Águas no oceano...

Sinto!
Os sopros cálidos dos alísios,
De brisa insular, de outras zonas...
... Lufadas que vêm, lufadas que vão...
E o contorno dos meus lábios, eles beijam!
... Longe dos seus lábios
Os meus inda estão...

Ventos no oceano...

Ouço!
As faíscas de sol no mar,
De fagulhas ariscas, de estalidos mil...
... Labaredas que vêm, labaredas que vão...
E o pulsar do meu peito, elas cantam!
... Longe do seu peito...
Ah... O meu inda em paixão!

Chamas no oceano...

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Á espera...


Estou à espera de alguém
Por isso:

Tenho consertado defeitos
Corrigido enganos
Perdoado erros

Limpado a casa
Me livrado das amarras
E arrumado a alma

Acho que estou preparada
Para receber quem eu estou me tornando
Que já está apontando na porta de entrada...

Fátima Matià

Aos amigos...


Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.

Eugénio de Andrade

Magia da vida


A borboleta voou...
Leve nas suas asas belas,
Multicoloridas...
Ela planou cheia d’alegria,
Leve como só ela!

Voou, pousando de flor em flor,
Nessa tarde amiga!

A borboleta voou...
Leve na sua lida divina,
Com suas asas multicoloridas!
Pintou o verde da mata
Com a sua magia...

Voou, pousando de flor em flor,
Nessa tarde amiga!

A borboleta voou...
Planou...
Pousando de flor em flor...
Pintou o verde da mata
Com toda a sua magia, de vida!

P.Z.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Paixão


Quero sentir o seu beijo, seu sabor
Quero sentir o que tens pra dar, amor
A intensidade do seu calor
Que é para aplacar esse ardor
Quero compartilhar o desejo
ter dar mil e um beijos
Quero seu corpo junto ao meu
Para juntos desenfrearmos
Todo essa paixão ansiada
E pra lá de desejada

Canção que Deus me deu


Ninguém abra a sua porta
para ver o que aconteceu,
saímos de braço dado,
a noite escura mais eu.

Ela não sabe o meu rumo,
eu não lhe pergunto o seu,
não posso perder mais nada,
se o que houve já se perdeu.

Vou pelo braço da noite,
levando tudo que é meu:
a dor que os homens me deram,
e a canção que Deus me deu.

Cecília Meirellles

Falo de ti às pedras na estrada...


Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que e louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;

Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;

Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço!

Florbela Espanca

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Corpo


Do seu corpo vem o delírio,
o medo
e o novo.

Dos olhos, estrelas que levam ao delírio,
ao medo
e ao novo.

E do sexo o amor
que nos une,
ao delírio e ao universo.

Mizah Azah

Ser e viver


"Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver."


Carlos Drummond de Andrade

Poema Centésimo Segundo


O calendário das flores interroga
os atrasos da primavera. O coração interroga
o próprio sangue. Como não interrogar-me? Vivo
num país onde de janeiro a dezembro o sol se escreve com o calor dos ombros, mas nada festeja
alegria na nossa pele. Também as mãos
me interrogam no cumprimento aos amigos,
na paixão macia que tenho pela noite,
esse vermelho bem-querer que me faz beijar
a doce curva dos teus seios, percorrer espaço e tempo, viajando sempre com o espírito mineral dos amantes aos quais não são exigidas novas tarefas, senão as do amor. E interrogo a tua boca. Com
a minha boca. Perguntando por mim, tremendo
a inocência dos meses mais felizes e a timidez das crianças que brincam com as mãos cheias de azul.
E volto a perguntar-te, mesmo quando enches
a minha boca de beijos e a minha vida é um rio solar onde o texto procura a foz de mim
com as águas cantando, as palavras repetindo
o nome do amor, o canto fulminante do amor.
E o dia e a noite carregam-se de angústias,
porque alguma coisa os encheu de dúvidas.
Talvez a alegria, talvez a traição, talvez
o medo, ou esta ridícula vontade de cantar,
mesmo que o coração não pare nunca
de fazer perguntas.

Joaquim Pessoa

terça-feira, 18 de junho de 2013

Lágrimas ocultas


Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Florbela Espanca

Tramas


Tramas que nos envolvem
sisal, palha, cordões
A luz em matizes fortes
em veladas escuridões
brancas pálidas, frias
reflexos de um farol.

Tramas de nossas vidas,
fazimentos de nós...

A lua fazendo fundo
andei voando no espaço...
joguei flores aos pés dos túmulos
mostrei ao povo minhas lágrimas
pedi perdão por minhas falhas...

Confuso, quebrado
entre cacos e clarins
sigo tecendo errantes remendos,
elaborando delicados bordados...
buscando o desenho perfeito
os tons mais adequados
para tecer a trama mais perfeita
do nosso amor inacabado.

Monica Cardozo

Primeiro motivo da rosa


Vejo-te em seda e nácar,
e tão de orvalho trêmula,
que penso ver, efêmera,
toda a Beleza em lágrimas
por ser bela e ser frágil.
Meus olhos te ofereço:
espelho para a face
que terás, no meu verso,
quando, depois que passes,
jamais ninguém te esqueça.
Então, de seda e nácar,
toda de orvalho trêmula,
serás eterna. E efêmero
o rosto meu, nas lágrimas
do teu orvalho... E frágil.

Cecília Meireles

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Os olhos de quem ama


Pode-se descobrir nos olhos de quem ama,
A luz que brilha intensa e faz-se cristalina,
Mostrando a alma toda a se envolver na chama,
De uma paixão imensa e forte que domina.

Força instintiva essa, n'alma adormecida,
Que, ao despertar se agita, cresce e se reponta
Do coração, e muda inteira a nossa vida.
Fazendo a mente, em sonhos,flutuar sem conta.

E assim o olhar de quem se entrega totalmente
À força da paixão, se expande livremente ,
Rompendo da tristeza o denso e negro véu.

Porque depois que o amor no coração desperta,
A gente se transforma e vive igual poeta,
Olhando para o mundo e vislumbrando o Céu.

Sá de Freitas

Faça


"Minha ansiedade me inunda.
Meu corpo grita pela atitude.
Nem a certa, nem a errada,
Somente a atitude
de fazer
de esquivar-se
de atingir
e atingir-se.
As tramas de planos
e a possibilidade de planos...
Todos em inquietude
berram:
Faça!
Como uma chama no vento
que insiste
que esguia-se
ora apaga
ora acende
e berra:
Faça!
É como se eu não pudesse parar de bater as asas
feito beija-flor afobado,
abobado
que teme cair
e que não cessa
somente berra:
Faça!
Não sei onde a inquietude me levará
nem a chama,
nem o vento
nem as asas batendo abobadas
nem mesmo sei se farei o que tanto berra,
mas agora eu ouço
exclusivamente ouço essa exclamação
que me tira o sono
e se tapo os ouvidos,
me vem pela boca
e se tapo a boca,
me asfixia a garganta
e se engulo
foge por meus poros
em um iminente,
latente e
incontrolavelmente:
Faça!"
Fran Santana

Velhas árvores


Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

Olavo Bilac

Nós


Lês um romance. Eu te contemplo. Ondeia,
lá fora, um vento muito leve e brando;
cheira a jasmins o varandim, brilhando
ao doentio clarão da lua cheia.

Vais lendo. E, enquanto tua mão folheia
o livro, eu vejo que, de quando em quando,
estremecendo, sacudindo, arfando,
teu corpo todo num delírio anseia.

Lês. São cenas de amor: o encontro, o ciúme,
idílios, beijos ao luar... Perfume
que sobe da alma, e gira, e se desfaz...

Vais lendo. E tu não sabes que, sozinho,
eu te sigo, eu te sinto, eu te adivinho,
lendo em teus olhos o que lendo estás.

Guilherme de Almeida

domingo, 16 de junho de 2013

Cama


Podia ser uma cama aberta no horizonte
e os teus cabelos num poente incendiado.
Podia ser o teu sexo num cume de monte,
e os teus seios despidos sobre este prado.

A mão que esconde mais do que oferece,
os olhos de presa dominando o caçador.
E os teus lábios que murmuram a prece
de quem só reza no instante do amor.

E se falasse dos teus olhos, dos teus braços
desse corpo em que me perco e te ganho,
não mais acabaria o que tem de acabar;

uma respiração de suspiros e de abraços
neste canto em que és tudo o que eu tenho,
nesta viagem em que não tem fundo o mar.

Nuno Júdice

Ternura


Esta alegria imensa de querer
sem anseios febris e sem paixão...
Este beijo que toca sem saber
a alma, o pensamento, o coração...

Este enlevo que afaga sem prender;
este olhar que é carícia e é emoção...
Esta felicidade de entender
no silêncio qualquer agitação...

Isto que ninguém sabe se é amor
porque não queima a carne de desejos;
porque não traz loucuras e amargor...

É o que levo sorrindo nos meus beijos;
é o que me faz chorar e é ventura;
é o que oferecem minhas mãos...Ternura!

Vera da Costa Vianna

À beleza


Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Não te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.
És a carne dos deuses, 
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.
És a graça da vida em toda a parte, 
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.
És um verso perfeito 
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.
És a beleza, enfim. És o teu nome. 
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço...
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço.

Miguel Torga

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Se é paixão


Se é paixão, me nego.
Já resvalei, a alma em pelo,
nesse áspero despenhadeiro.

Se é paixão, não quero.
Conheço seus espinhos de mel,
sei aonde me conduz
embora prometa os céus.

Se é paixão, desculpe-me, não posso.
Conheço suas insônias
e a obsessão.

Se é paixão me vou, não devo ...
não adianta teus apelos.
Resistirei, porque aí
morri mil vezes.
Paixão é arma de três gumes,
e ao seu corte estou imune.

Se é paixão, me nego
e não receio que me acuses de medo.
Do desvario conheço todos os segredos.

Se é paixão, recuso-me e sinto muito,
pois foi há custo
que saí do labirinto.

Affonso Romano Sant'Anna

O que fica para sempre


O verso tem que ser um sofrimento
pela dor que se dói dentro do peito.
Ou não é verso... é só divertimento
de quem goza de causa sem efeito.

O sentido da flor é o encantamento
que doído de espinho sem despeito
é um doer sem sofrer padecimento
como os versos doídos num soneto.

Todo intento de amor morre cativo
de algum sonho vivido sem motivo
num futuro algemado no presente.

E amor é como pássaro na aurora:
canta e chora e dói e vai embora...
Mas o seu canto fica para sempre!

Afonso Estebanez


Vê que misteriosa é a vida que espalha a gente aos sentidos da rosa-dos-ventos por anseios meio fatais.
Vê que estranha é a vida que te faz sumir pirilampo me divide a cabeça em procura e faz manha com meus pensamentos.
Vê que demente é a vida que me deixa reflexo no espelho que me impõe os limites do espaço e me prende aos ponteiros do tempo.
Mas vê que surpresa é a vida que te traz de manhã feito estrela te dilata na minha pupila te represa no vão dos meus poros.
Mas vê que maravilha é a vida que seduz na tua voz que reluz na tua pele que brilha nos teus cabelos.
Mas vê que mágica é a vida que nos teus gestos se revela no teu sorriso se anuncia e no teu corpo se mimetiza.

Sílvio S. Delgado

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Que encanto é o teu?


Amo-te muito, meu amor, e tanto
que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter-te, meu amor. Não finda
com o próprio amor o amor do teu encanto.

Que encanto é o teu? Se continua enquanto
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz da guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto,

um cântico da terra e do seu povo,
nesta invenção da humanidade inteira
que a cada instante há que inventar de novo,

tão quase é coisa ou sucessão que passa...
Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.

Jorge de Sena

Amor (de) lírio


Um suspiro solitário
à luz extinta do círio
ou gemido libertário
calado na flor do lírio.

É amor ou é martírio
padecer involuntário
ou é sonho de delírio
é o gozo do calvário.

É o céu e é o inferno
É o lado mais eterno
da loucura na razão...

É o cativo ou o liberto
o lado duplo do afeto
no abismo do coração...

Afonso Estebanez

Dia...


O dia passa
Lotado de pessoas,
Mentes, mortos, mitos,
Multidão,
Poucos destacam-se,
Sempre apressados,
Vem e vão,
No meio de tantos
E do caos
Alguém parece não notar ou se importar
Com a correria da vida.
Eis que dos olhos inertes
Que apreciam o turbilhão a sua volta
Devorar lentamente a vida,
Da pura inocência
De apenas enxergar
O que os demais ignoram
Faz-se
Poesias.
Eis que das simples mãos
Que rejeitam o trabalho mecânico, escravo,
Emprega-se o desejo ávido
De escrever.
Eis que do corpo languido
Sem credito e ofuscado
Porem
De intelecto liberto e forte
Surge a revolta
Silenciosa, concisa, madura.
Eis que da indignação
Incontida no âmago
Faz fluir na voz
Palavras seguras
Que acalantam os ouvidos parcos
Dos moribundos
Preenchendo o vazio dos cansados
Com um resquício de esperança.
Eis que a cada passo dado
Tropeços são inevitáveis
E sonhos esmagados por mãos de ferro
São transpostos
Dando lugar a novos limites
A serem ultrapassados.
Eis que as crenças são extintas
E as descrenças são negadas,
Que os temores esvaem-se
E a ousadia repele-se,
Eis que a criatividade superlota
E transborda,
E as deficiências tornam-se
Eficazes.
Eis que o ser transtornado
Rebela-se
Contra tudo
E contra todos.
Como o próprio diz:
“O medo encoraja
E a coragem amedronta.”
Eis que ao fim do dia
O até então calmo observador
Por todos agora é observado.
Eis que da tortura e melancolia do dia
Faz-se do inusitado brotar poesia.
Eis que surge um poeta.



Samuel Abreu d'Holbach

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Formoso é fogo


Formoso é o fogo e o rosto
da amada junto a ele.
No lume de seu corpo
tudo em redor clareia.

Depois o que era fogo,
é espuma que se alteia.
E o mundo se faz novo
nas curvas da centelha.

Já não existe esboço,
mas desenhos, e teimam
— unos e justapostos.

Já não existe corpo:
são almas que se queimam
no amor de um mesmo sopro.

Carlos Nejar

Noites amadas


Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua...

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!

Auta de Souza

Alegoria floral


Um dia em que a mulher nasça do caule da roseira que cresce no quintal; ou um dia em que a nuvem desça do céu para vestir de névoa os seus
seios de flor: seguirei o caminho da água nos
canteiros que me levam ao caule, e meter-me-ei
pela terra em busca da raíz.
Nesse dia em que os cabelos da mulher se
confundirem com os fios luminosos que o sol
faz passar pela folhagem; e em que um perfume
de pólen se derramar no ar liberto da névoa:
procurarei o fundo dos seus olhos, onde corre
uma tranparência de ribeiro.
Um dia irei tirar essa mulher de dentro da flor,
despi-la das suas pétalas, e emprestar-lhe o véu
da madrugada. Então, vendo-a nascer com o dia,
desenharei nuvens com a cor dos seus lábios, e
empurrá-las-ei para o mar com o vento brando
da sua respiração.
Depois, cobrirei essa mulher que nasceu da roseira com o lençol celeste; e vê-la-ei adormecer, como um botão de rosa, esperando que a nuvem desça do céu para a roubar ao sonho da flor.

Nuno Júdice

sábado, 8 de junho de 2013

Insônia


Silêncio.
Madrugada.
Rua vazia.
Uma lua branca de linho
estendida no escuro,
sobre o nada.
Num momento insone,
conversam confidentes
Presente, Passado, Futuro.
Um pensamento corta o espaço,
versejando a esmo.
Escuto passo:
É meu coração abrindo a porta de mim mesmo.

Flora Figueiredo

Em todos os jardins


Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.

Sophia de Mello B. Andresen

Liberdade...eternidade


Esperar que a lua traga a nós esta noite
Todo o sonho atrevido no instante
Em que os corpos se inflamem de alegria
E o sexo seja outra folia

Reviver e sentir um dourado no espaço
Repartir com o tempo o passado
Onde os nossos horizontes no presente
Reflitam o acaso do futuro

Ah! Seja assim a liberdade Ah!
Pra quem procura eternidade

Esperar que a lua faça cena de novo
E as estrelas iluminem seu rosto
E deixem brilhar todo o riso
E viva quem queira viver

Vou dizer
Sigo agora os seus passos livres
Escutando sua imaginação
Que sempre servirá de lição
A um mundo acorrentado na ilusão

Ah! Seja assim a liberdade
Ah! Pra quem procura eternidade


Paulo Maia

sexta-feira, 7 de junho de 2013

E de novo a armadilha dos braços...


E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias.
O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.

As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.

Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.
E tudo o que me dás eu te devolvo.

E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos.

Rosa Lobato de Faria

Que seja verdade


Diz o que esconde nas entrelinhas...
Se dentro de ti há poesia, ou se é disfarce
a melancolia de seus versos.
Diz se é de verdade o amor que proclama,
Ou se ama só o papel riscado por suas mãos
- indelicadas -
Diz se vives os luares ou se nunca viu
a magia do céu no olhar de alguém...
Se souber, me diz.
Prometo silêncio eterno, até que o vento espalhe
O que nunca disseram os poetas e os loucos
- Que amam e amam, sem medida.

Adriana Cruz

Uma semente


Sou eu a semente,
pedaço de gente,
que sonha que sofre,
sou carne sou mente.

Sou eu a semente,
querendo o ausente,
germino somente,
em estado de amor.

Sou eu a semente,
buscando em mente,
esquecer-te enfim,
arrancando o de mim.

Sou eu a semente,
um bicho com fome,
na rua sem nome,
em estado de dor.

Sou eu a semente,
em sonhos nocivos,
me perco em medos,
nos sonhos perdidos.

Sou eu a semente,
em sonhos de amor,
sonho em segredos,
e suspiro de dor.

Sou eu a semente,
no canteiro jogada,
sozinha encontrada,
mas que germinou.

Sou eu a semente,
do fruto usada,
um resto de gente,
que sem rumo ficou.

Sou eu a semente,
que venceu de repente,
de forma contente,
buscando o amor.

Sou eu a semente,
sofrida magoada,
que despedaçada,
no amor superou.

Bárbara Melo

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Procura-se um beijo...


Lábios passeiam
Sorrisos roçam-se
Emitem sinais de perigo
Num displicente bem querer...

Por esses lábios atentos
Vontades voam
Línguas dançam
Corpos brincam
Desejos ficam...

Doces
Suculentos
Indiscretos
Atiçam
Sucos lentos
Repletos de prazer.

Fúria
Desejos
Luxúria
Abraços
Ocupam todos espaços
No meu entardecer...

Momentos régios
Bailam sobre o amor
Sem sacrilégios
Só tem como privilégio
A sina do amanhecer...

Esses lábios
Tão sábios
Emitem promessas
Sem nenhuma pressa
Para acontecer.

Como serão
Esses beijos
Que tanto eu poetei
Sem mesmo
“embeijecer”.

Por onde andará esse afeto
Que no futuro eu coloquei
No verbo ser em um tempo
Que ainda não conjuguei.

Procura-se este beijo perdido
Quem sabe um pouco
“embeijecido”
Na boca que ainda não encontrei...

Enisebc