quarta-feira, 19 de junho de 2013

Poema Centésimo Segundo


O calendário das flores interroga
os atrasos da primavera. O coração interroga
o próprio sangue. Como não interrogar-me? Vivo
num país onde de janeiro a dezembro o sol se escreve com o calor dos ombros, mas nada festeja
alegria na nossa pele. Também as mãos
me interrogam no cumprimento aos amigos,
na paixão macia que tenho pela noite,
esse vermelho bem-querer que me faz beijar
a doce curva dos teus seios, percorrer espaço e tempo, viajando sempre com o espírito mineral dos amantes aos quais não são exigidas novas tarefas, senão as do amor. E interrogo a tua boca. Com
a minha boca. Perguntando por mim, tremendo
a inocência dos meses mais felizes e a timidez das crianças que brincam com as mãos cheias de azul.
E volto a perguntar-te, mesmo quando enches
a minha boca de beijos e a minha vida é um rio solar onde o texto procura a foz de mim
com as águas cantando, as palavras repetindo
o nome do amor, o canto fulminante do amor.
E o dia e a noite carregam-se de angústias,
porque alguma coisa os encheu de dúvidas.
Talvez a alegria, talvez a traição, talvez
o medo, ou esta ridícula vontade de cantar,
mesmo que o coração não pare nunca
de fazer perguntas.

Joaquim Pessoa

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