domingo, 23 de novembro de 2014

Nenhum amor escapa impune


Deixa-me perguntar se te
pareço tão assustado assim. 

Não me sinto deslocado, talvez curioso, mas
nem surpreso. Algo em ti me puxa
sempre ao sentimento, mesmo antes de
te conhecer, lembras-te, uma propensão para te tratar bem, cuidar, vulnerabilizar os meus modos, recusar admitir que também eu sou capaz de crueldades quotidianas e
impunes. Queria conversar contigo
sobre o Nelson, que foi ver as coisas a
arder fotografando a própria
pele. Queria falar-te da Isabel e de como
choramos juntos, muito maricas, quando
nos correm mal estes amores ou, pior, a
nossa amizade. Esta noite sonhei contigo e
achei graça dizer-te que cheirava mal
na nossa cama. Que me incomodou a luz a entrar pela persiana por fechar. Que ouvi com dor o orgasmo da vizinha de baixo.
Queria que soubesses que também eu
poderia ter ardido para o Nelson
fotografar. Queria que soubesses que
também poderia parar de chorar pela
Isabel. Queria que soubesses que o faria
exclusivamente para arruinar o meu coração, se fosse a tua vontade e com isso te deixasse em paz. Faria qualquer coisa, ainda que quisesse morrer a seguir, faria qualquer coisa que, por um instante, te pusesse
a pensar em mim.

Valter Hugo Mãe

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