Não basta a agudeza intelectual para descobrir uma coisa nova.
Faz falta entusiasmo, amor prévio por essa coisa.
O entendimento é uma lanterna que necessita de ir dirigida por uma mão, e a mão necessita de ir mobilizada por um anseio pré-existente para este ou outro tipo de possíveis coisas.
Em definitivo, somente se encontra o que se busca e o entendimento encontra porque o amor busca.
Por isso todas as ciências começaram por ser entusiasmos de amadores.
A pedanteria contemporânea desprestigiou esta palavra; mas amador é o mais que se pode ser com respeito a alguma coisa, pelo menos é o germe todo.
E o mesmo diríamos do dilettante - que significa o amante. O amor busca para que o entendimento encontre.
Grande tema para uma longa e fértil conversa, este que consistiria em demonstrar como o ser que busca é a própria essência do amor!
Pensaram vocês na surpreendente contextura do buscar?
O que busca não tem, não conhece ainda aquilo que busca e, por outra parte, buscar é já ter de antemão e conjecturar o que se busca.
Buscar é antecipar uma realidade ainda inexistente, preparar o seu aparecimento, a sua apresentação.
Buscar é antecipar uma realidade ainda inexistente, preparar o seu aparecimento, a sua apresentação.
Não compreende o que é o amor quem, como é habitual, se fixa somente no que desperta e desfecha um amor.
Se o amor por uma mulher nasce pela sua beleza, não é a complacência nessa beleza o que constitui o amor, o estar amando.
Uma vez desperto e nascido, o amor consiste em emitir constantemente como uma atmosfera favorável, como uma luz leal, benévola, em que envolvemos o ser amado
- de modo que todas as outras qualidades e perfeições que nele haja poderão revelar-se, manifestar-se e nós as reconheceremos.
O ódio, pelo contrário, coloca o ser odiado sob uma luz negativa e só vemos os seus defeitos.
O amor, portanto, prepara, predispõe as possíveis perfeições do amado.
Por isso nos enriquece fazendo-nos ver o que sem ele não veríamos.
Sobretudo, o amor do homem pela mulher é como uma tentativa de transmigração, de ir para lá de nós mesmos; inspira-nos tendências migratórias.
Ortega y Gasset, in 'O Que é a Filosofia?'
Ortega y Gasset, in 'O Que é a Filosofia?'
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