Deixa-me dizer-te francamente o juízo que eu formo do homem transcendente em génio, em estro, em fogo, em originalidade, finalmente em tudo isso que se inveja, que se ama, e que se detesta, muitas vezes.
O homem de talento é sempre um mau homem.
Alguns conheço eu que o mundo proclama virtuosos e sábios.
Deixá-los proclamar.
Deixá-los proclamar.
O talento não é sabedoria.
Sabedoria é o trabalho incessante do espírito sobre a ciência.
O talento é a vibração convulsiva de espírito, a originalidade inventiva e rebelde à autoridade, a viagem extática pelas regiões incógnitas da ideia.
Agostinho, Fénelon, Madame de Staël e Bentham são sabedorias.
Lutero, Ninon de Lenclos, Voltaire e Byron são talentos.
Compara as vicissitudes dessas duas mulheres e os serviços prestados à humanidade por esses homens, e terás encontrado o antagonismo social em que lutam o talento com a sabedoria.
Compara as vicissitudes dessas duas mulheres e os serviços prestados à humanidade por esses homens, e terás encontrado o antagonismo social em que lutam o talento com a sabedoria.
Porque é mau o homem de talento ?
Essa bela flor porque tem no seio um espinho envenenado ? Essa esplêndida taça de brilhantes e ouro porque é que contém o fel, que abrasa os lábios de quem a toca ?
Aqui tens um tema para trabalhos superiores à cabeça de uma mulher, ainda mesmo reforçada por duas dúzias de cabeças académicas !
Lembra-me ouvir dizer a um doido que sofria por ter talento.
Pedi-lhe as circunstâncias do seu martírio sublime, e respondeu-me o seguinte com a mais profunda convicção, e a mais tocante solenidade filosófica :
os talentos são raros, e os estúpidos são muitos.
os talentos são raros, e os estúpidos são muitos.
Os estúpidos guerreiam barbaramente o talento :
são os vândalos do mundo espiritual.
são os vândalos do mundo espiritual.
O talento não tem partido nesta peleja desigual.
Foge, dispara na retirada um tiroteio de sarcasmos pungentes, e, por fim, isola-se, segrega-se do contacto do mundo, e curte em silêncio aquele fel de vingança, que, mais cedo ou mais tarde, cospe na cara de algum inimigo, que encontra desviado do corpo do exército.
Aí tem a razão por que o homem de talento é perigoso na sociedade.
O ódio inspira-lhe a eloquência da traição.
Camilo Castelo Branco, in 'Coisas que Só eu Sei'
Camilo Castelo Branco, in 'Coisas que Só eu Sei'
Nenhum comentário:
Postar um comentário